Realidade irreal sem opção

“As novas palavras do dia são: mar, estrada, excursão e carabina. Mar é a cadeira de couro com braços de madeira como a da sala de estar. Exemplo: Não fique de pé, sente-se no mar para que conversemos. Estrada é um vento muito forte. Excursão é um material muito pouco duradouro usado para fazer pisos. Exemplo: o lustre de cristal caiu, mas não danificou o piso, porque é 100% de excursão. Carabina é um lindo pássaro branco.”
O trecho acima inicia o filme Dente Canino (Kynodontas, 2009), dirigido por Giorgos Lanthimos, que conta a história de uma família que mora isolada da cidade numa casa cercada por um muro que os três filhos do casal nunca atravessaram. Toda influência do exterior foi cortada pelos pais e a educação e criação foi feita exclusivamente por eles, porém, os filhos começam a questionar a falta de sentido no “mundo” em que vivem.
O universo surreal criado pelo patriarca da família carrega um peso doentio pelo fato dos filhos nunca terem tido contato com a realidade pós-muro. A determinação da realidade alheia implica numa metáfora gigantesca: Não estaríamos nós vivendo o mesmo? Nós somos os filhos que aceitamos tudo que nos é apresentado por ser a única opção? E quem seria o grande pai? A mídia? O governo? Algo bem além dos dois? O que nós conhecemos além do que nos é colocado como opção? O filme um interessante exercício de repensamento.
            Tabus viraram jaulas e o conformismo nos faz ceder a absorção de conceitos cada vez mais. No filme, o pai acredita que pode treinar os filhos da forma que quer (o que ele, de fato, faz), mas seria um direito privar a realidade de alguém? O que significa a liberdade se o direito de um acaba onde o de outro começa? Como é possível criar significados para significantes que não podem ser comparados?
            A forma de manipulação que é apresentada no filme permite múltiplas interpretações, uma delas é analisar o significado de ações impostas a terceiros. Se o pai só queria proteger os filhos da perturbação do mundo e cultivar a pureza deles, por que ele estaria errado? E por que nos causa inquietação ao assistir três adolescentes tornando-se inocentes alienados? Podemos vê-los assim por termos a noção de realidade maior que uma casa, bem além de um muro, mas, eles não podem ter o mesmo julgamento que temos já que estão situados em outra esfera de visão que os condiciona a outra interpretação.
            A troca de significados das palavras nos faz perceber que significantes assumem os significados que lhes são impostos. São regras estabelecidas por outros. Então, assim como não somos os determinantes dos significados podemos questionar a determinação mental voluntária que temos deles. A significação singular seria, necessariamente, única? Ou determinada, também, assim como os significantes, por algo exterior? A obra ao causar questionamentos em quem assiste, resulta em interpretações e análises. Desconstrução de conceitos para reconstrução de outros.




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