Umbigo

Então talvez seja isso mesmo, como aquele dia que confundi meus pés por tirar apenas um sapato no meio do trânsito caótico, por um momento meu cérebro não sabia o que era um pé calçado, um descalço, qual o pedal que acerava e qual o que freava e aí, talvez, eu seja exatamente isso… talvez esse seja o umbigo de um sonho tão longo e confuso. Eu não sei o que fazer com meus pés porque desrealizei tão profundamente que todos os sentidos se desintegraram e restou o cru… o nada… a ausência de qualquer explicação… e naqueles poucos segundos que me perguntei onde estava qualquer mínima conexão em minha cabeça, eu me pergunte no meu umbigo de existência: onde está qualquer mínima conexão de cuidado comigo? Por que ir tantas vezes tão além do princípio do prazer, não me permitindo frear nas placas que pedem para parar, ao menos respirar, sequer ouvir os carros ao lado… por que é tão importante acelerar até que o próprio carro pare e me jogue tão longe como se eu não tivesse absolutamente nenhum dado ou conexão cerebral que me lembrasse que um acidente, além de muito perigoso, machuca tanto? Como eu posso esquecer de mim mesma repetidamente querendo chegar a algum lugar que não se chega? Como é que alguém pode chegar em algum lugar sem parar em algum lugar? Tenho me procurado incansavelmente em locais que definitivamente não estou, nem estive e muito provavelmente não estarei porque não me cabe… talvez, talvez, muito talvez algum desses sapatos trocados me sirva para alguma coisa, é importante também despersonalizar, foi um exercício que aprendi desde criança: repetir alguma palavra até que ela soe no cru, no asséptico, na falta completa de sentido, como se estivesse sendo falada pela primeira vez diante da humanidade… e encara-la finalmente com outros olhos… só pela experiência, só pela magia estranha que havia nesse tipo de brincadeira. Talvez seja isso, em parte, o que aconteceu comigo… assim também não desprezo de todo a experiência, mas preciso me desprezar também. Eu mesma, finalmente, amém.





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