Estufa

Sempre achei inacessível o sentimento de tentar chorar e não conseguir. Essa impossibilidade parecia inventada porque, dentro de mim, sempre existiram diversos botões de alarme para tristeza ou memórias fáceis de me derrubar. Encarar o dia-a-dia sempre foi tomado de uma aura de cor estranha, onde muitas coisas podiam se tornar facilmente um problema ou uma grande realização, pois uma pequena coisa também tinha a possibilidade de se tornar imensa e me entregar felicidades que pareciam estar sendo esperadas desde a minha infância, mas que eu só descobria ali, diante das pequenas coisas. Em resumo, sempre foi fácil chorar, mas também sorrir... sempre foi fácil sentir.

Até um dia que não foi mais. Não acho que acordei um dia dentro dessa estufa, do nada, como um sequestro, o que acho é que a visitei repetidamente, ritualmente e me apeguei a algumas espécies exóticas que só existem dentro dela. Fiz diversas visitas a esse lugar tão pequeno e protetor até que um dia, que não foi nem ao acordar, mas ao longo do dia mesmo, talvez no final de uma tarde de uma terça-feira inútil e comum, eu percebi que nunca mais tinha ido lá fora, na imensidão do que eu sou, e não consegui chorar, mesmo querendo, não consegui acessar outros sentimentos tão repetidos em mim, não achei minhas fraquezas, minhas paranoias, meus medos, minhas inseguranças, meu riso fácil, minha piada sem graça que me faz rir tanto... eu não ri nem pouco... mas nem sequer me assustei com isso, me aproximei da parede transparente e vi o resto do mundo ainda lá, como se eu soubesse que algum dia vou voltar, mesmo sem entender de onde vinha esse saber. 

Uma das espécies exóticas é uma paciência inexplicável. Não tenho mais forças para ser tão insistente e aventureira dentro da minha cabeça como sempre fui, mas ao mesmo tempo não restam forças também para nenhuma dor, culpa ou arrependimento. Porém, estou sem pressa. De alguma forma, sei que minha vida e meus sentimentos, bons e ruins, olham pra mim através das paredes e me esperam voltar. Tenho a sensação que eles também não se reconhecem sozinhos, que acessam memórias como se fossem de uma novela ou filme que não participei, que dá para entender o contexto da cena, se é triste ou não, se é divertida ou não, mas não dá para sentir tristeza, nem diversão, mesmo com a memória intacta.

Aliás, não sei se minha memória está intacta mesmo, sem incluir sentimentos nas memórias, sobra só a narrativa e dá para entender que muitas partes se perderam e que alguns trechos já não se conectam, como se a narrativa fosse de frases soltas... engraçado, porque eu sempre confiei muito em minha memória, mas, atualmente, não sei se ela está aqui dentro ou lá fora. 

Esses dias, estava saindo de algum estacionamento e quis chorar, não lembro o porquê, mas ia precisar falar com alguém em alguns minutos e precisei engolir o choro na intenção de soltá-lo pouco tempo depois. Não veio mais. Sempre vinha. Sempre foi fácil. E agora é fácil também não me importar, mesmo com isso, mesmo parecendo que estou reclamando. 



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