A eterna volta da queda do céu

Tem alguma coisa acontecendo no céu lá fora e me custa abrir a janela pra olhar, me custa a paz, embora eu não consiga ter paz justamente por todo esse barulho que não parece exatamente um trovão, mas não dá também para dizer que não é. 

Abrir mão do controle de todos as pequenas peças desse quebra cabeça infinito é contra-intuitivo, pois durante todos os anos em que caminhei, desde que decidi caminhar, foi em cima de minhas próprias pernas, como posso agora deixar que outros pés me conduzam? Sinto fraqueza, incompetência, incompletude. Sinto que sou menos, além de tudo que já sei ser menos, sinto que diminuo sem freios, como se isso fosse possível: diminuir pra sempre, sem nunca, porém, sumir. Como numa matemática perfeita, onde nunca chegaremos de fato ao irredutível, porque talvez eu já seja irredutível. 

Ao passo que sinto que sou fraca, sinto que sou cruel, que arrasto por cima dos outros esse lençol de obrigações de me dar espaço para continuar andando… mas não sei se tem espaço pra todo mundo, para tantas pernas… então tenho que escolher entre caminhar e ser só ou em ser levada e ter alguém por perto? Isso parece uma escolha hedionda. 

Hoje minha lombar está me maltratando e sei que foi da cabeça, minha cabeça não está boa porque eu me sinto feia, incapaz, inferior e não tem remédio pra isso. Tenho vontade de jogar na fogueira os trajes de princípios que construí com tanto esmero, mesmo sabendo que quem queimaria não seria apenas eu, o que é tóxico, desagradável, perverso… Então, todos os dias que falei que a natureza humana era ruim era para que eu fosse liberada para cometer maldades? 

O barulho lá fora está horrível e prefiro ficar no escuro numa esperança infantil de que ele seja suspenso sozinho… embora tenha a sensação de que não vai ser bem assim. Não é bem por aí que as bandas tocam aqui em minha casa mental, seria muito simples viver assim. E viver não é simples nessa terra de minhas células.




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