De quem nós estamos fugindo?

Não sei quanto aos demais, mas dentro deste reino, de onde nunca poderíamos sair, a sublimação não existe sem o mal estar porque não há substrato para a alquimia, para a mágica, para o vômito, para o descontrole de dedos, mão, caneta, teclado e cérebro. Não há. Eu dizia, antes de saber andar com as próprias pernas, que ia precisar de muletas em algum momento e que isso me assustava muito, mas que sabia, tinha certeza, era certo que eu precisaria. Cheguei aqui, com elas em mãos e te digo, de peito escancarado, que uso por teimosia, contra o que eu sei e contra o que a maestria me ensina. Uso porque sou inadequada. 

Então, naquele dia, há poucos dias, enquanto deslizando pelo centro urbano, pensei que eu tinha atingido o máximo do meu super ego, que me transformei, como numa sublimação linda e artística, uma personificação de obra-prima, andando por caminhos milimetricamente calculados pra o bem, para o meu bem. Mas uso muletas de forma desnecessária para saber o que não é a vida, para deitar inerte e sentindo náuseas que remetem a dor ou prazer. Que dor e que prazer? 

A alegria é entristecer, quebrar o pé e precisar andar com as mãos, esfolando toda a pele até que a alma corra pelos ossos e pingue através do sangue, para que nos encontre através da angústia, que nunca mente, e saber o que queremos e morrer de medo e de pavor do que desejamos no
fundo do que somos, que, geralmente, são desejos vaidosos e superficiais, que vão de encontro acelerado ao que eu achei que fosse. 

Aquela mulher estranha, que eu nunca tinha visto, mas que convidei para morar comigo no meio de um restaurante, que eu também nunca tinha ido, disse que um paradoxo interessante é que "quando descobrimos quem somos, mudamos", então, deslizando no centro, eu entrei na imensidão pupilar do que somos e fomos e agora quem eu sou? Quando digo, tantas vezes, em voz alta, o indizível, me atravesso, me doo a mim mesma, me destruo para me montar com carinho. 

Para viver, é preciso passar pela vida sem regular os canais de cálcio, de olhos bem abertos, respirando em ar ambiente. Somos infinitos. 

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