Super instância psíquica

 A agressividade da nossa super instância é tão hedionda que massacra quase que de forma orgânica por um substrato completamente alheio. Como podemos parar de respirar direito por algo que não nos compete e nunca nos competiu? 

Estive eu lá em dezenas de momentos onde gritar não era uma opção por medo do erro. Desde lá o superego se formava, degrau acima de degrau, para que em dado momento fosse grande a ponto de não expor o topo. Estive lá em todos os momentos, queria não estar, queria, hoje, também não estar aqui e presenciar o que quer que seja que aconteça porque mais do que delicado assumir a fragilidade, a mudez, a vergonha, é cruel. Há crueldade em me pedir pra assumir um lado de quem padeceu, me custa ser a parte frágil, a parte muda, a parte que não conseguia pensar, calcular, a parte que não conseguia entender a covardia de um crime, uma doença, uma maldade ou o que não sei e que talvez nunca consiga saber e se para entender devo me transformar em alguma parte na existência da figura ativa, dispenso. É ruim lembrar, pensar ou retornar a qualquer dessas casas, lembranças, medo e mudez. 

O pulmão parece não ter espaço suficiente em minha caixa torácica, meu coração não se conforma em não ser mais infantil e poder ir além, estou vidas após todos os ocorridos e sinto a super instância me dizendo que a culpa é, de alguma forma, minha, ora, eu existo e, se eu existo, carrego culpa, culpa por ter aprendido a andar e não correr na hora, culpa por aprender a falar e não falar na hora, culpa por atingir maturidade encefálica o suficiente pra visualizar o ocorrido e não salvar as demais que ainda não tem voz, culpa por me colocar no lugar de todo mundo e sentir como dói planejar uma morte, uma retaliação física assombrosa, uma guilhotinada em praça pública, a perda de um amor (e quem sou eu pra dizer que não é?) construído por anos, a implosão dos prédios de vidas construídas em cima de novelas com péssimos roteiros. 

Coloco a mim mesma no lugar de quem chora, de quem se ajoelha, de quem sente dor e não respiro direito, não sossego meu coração, não durmo tranquila, perco a fome, listo meus piores erros, quero me castigar, faço tudo, exceto segurar na mão de quem um dia foi muda e invisível de uma forma fingida porque é extremamente cruel e perturbador admitir que todo mundo teve culpa e fingiu e finge que não. 

De toda forma, apesar de doloroso o processo, de covarde e injusto, é ainda muito mais, atualmente, sentir tudo isso como se eu devesse algo, como se algum boleto estivesse em meu nome por uma deturpação que não é minha, que não tem a menor possibilidade de ser minha, então, sou eu quem aos prantos e de joelhos peço para que esse monstro tão alto e inatingível me dê um espaço de pelo menos respirar direito, se pedir pra viver em paz for tão caro assim.

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