Savasana

De repente, no piso externo de um abatedouro, a gente faz automaticamente as pazes com uma vida anterior, de um tempo em que ainda não tínhamos morrido. De repente, tá tudo organizado e gente consegue dizer "foi bom". Milhares de segundos reduzidos a "ok, foi bom" e enquanto um carro atravessa a rua, você pergunta "mas será que a gente esquece que foi ruim?", sei lá. A história do homem ruim que ficou bom porque morreu... Não é bem assim, mas quem liga? Os lesados ligam. Ligam para sempre? E quem atende? Não sei. 

Outro dia, também de repente, uma música aleatória que alguém, que nem sei mais quem, gostava e eu não gostava por motivos nenhum. Que motivos eu tinha para não gostar desse coitado desse cantor? Absolutamente nenhum. Mas quem disse que precisamos de motivos para não gostar? Podemos, simplesmente, não gostar, mas, de repente, agora que existem túmulos de mim lá atrás, consigo dar uma chance para a música tocar até o fim porque os primeiros segundos não me causaram terror ou agonia... e escuto. E, surpresa: realmente não gostei. Outra hora, de outra vida, quando essa de agora acabar, se acabar. Sei lá. 

E, sabe, quase na porta de um abatedouro... um abatedouro, engraçado, eu podia ter entendido muita coisa antes se pensasse por três segundos na palavra quando alguém, que também não sei mais quem, disse algo-sobre-abatedouro-e-eu. É capaz de que eu tenha entendido, sim, porque consigo entender muito mais coisas do que posso desejar, mas nem sempre estamos prontos, não é sempre que estamos com a roupa certa, o calçado certo, a passagem certa e a chave certa, pois dá um pouco de trabalho se arrumar. Querer sair do pijama. 

Bancar o que se deseja é detox e nem todo mundo quer beber. 

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