Futuro

Eu já disse antes que olhei pra trás, não muito lá atrás e o antes também sendo atrás, sendo muito menos lá atrás, mas, sendo atrás, penso que parei, estacionei, mesmo quando viro e olho que não estou lá atrás, ora, ontem eu dormi o dia inteiro, talvez por isso hoje, com sono, não consigo? O ponto é que ontem eu dormi o dia inteiro, sinal claro que o tempo passou, mas me sinto repetida. 

Em vários filmes que adoro, as partes preferidas eram quando o mistério do que existe lá fora ou depois da morte era traduzido: somos nós; e aí, do nada, um clarão em mim: não foi alguém de 2020 com carros voadores que foi no banheiro vestida com uma roupa muito bonita, nem no quintal de madrugada, em dois tempos distintos, é que na verdade eu não percebi que já é 2020 e o tempo passou, mas sou eu daqui agora lá, não sei como, só é, foi e fui. 

Sinto que sinto sempre a mesma coisa, mas ontem eu dormi o dia inteiro. Ontem falei o nome que por anos foi impronunciável para que não se materializasse e se perdesse porque eu queria que se guardasse no silêncio até que se materializasse e se ganhasse; se ganhou, sem mim. Como diz Clarice e um bilhão de outros seres humanos: a palavra tem poder, mas o silêncio não priva a existência do inevitável. E esse é um medo que me treino para perder. 

Me escondi por anos numa casa que não existia, eu não estava escondida, como alguém já disse em algum livro ou filme “esconderijos não são a prova de água: que inunda tudo”, não sendo, não era, mas por achar que era, adiei o inevitável, já que não podia cancelar a chegada e aqui, atualmente, todos os dias penso em sua casa, em você ao meu lado, em eu ter ido embora em todas as vezes que comprei a passagem de ir embora (e não fui), penso todos os dias na chance que tive de não ter entrado num barco que não ia pra local algum, penso de manhã, de tarde e de noite que eu sinto saudades e nem sei de quê porque eu também sei e sinto que não era em sua casa e muito menos no barco que eu queria estar em todos os dias que estive e agora eu tenho essa sensação estranha que quer me convencer do contrário e eu poderia dizer que não sei o motivo, mas, sei, é por ter adiado a sintomatologia do estar e viver na hora certa. 

Bem, ontem falei em voz alta o nome que eu tive medo por anos e nada aconteceu e aí eu soube que uma corrente eu já quebrei e que a sua tem apertado meu pulso todos os dias porque ela quer se soltar bem como eu quero que ela se solte e suma, mas isso também leva tempo e tem levado tempo porque adiei e tudo bem porque a gente (humanidade) erra e eu errei e é sabendo que errei que se confere uma lição. 

Apesar de sentir que estou estagnada, ontem dormi o dia inteiro. 

Apesar de achar que não consigo o que minto para os outros e falo a verdade para mim, tenho encontrado forças para começar a achar que talvez eu consiga, e isso é um passo fundamental, eu sei que é. 

O tempo vai passar ainda mais e outros problemas substituirão tudo isso até que eu fale em voz alta no banheiro e nenhum eco em minha alma responda. Eu não fui boa para mim, eu sei, mas isso não caracteriza você como tendo sido e não existe aqui a questão de eu querer te perdoar ou querer que você viva bem, eu não quero nenhuma das opções, nem o inverso, eu quero que chegue o dia que sua corrente apodreça com o tempo e eu não precise te desejar nada de ruim, nem nada de bom, visto que no fim das contas você não serviu para nada.