River

A história começa em 2014 quando o plano ativo era oposto ao atual. E começa com Rachel. Mais com ela que comigo. Salvei as imagens de Rachel e me transferi para ela como uma poesia pós moderna. Ou medieval? 
O plano ativo oposto me tirava o que não tenho e me castigava milimetricamente. Não é só possível lembrar do escuro (em que eu tateava sempre o norte mesmo sem fazer ideia se era norte), como é possível também ler sobre. No entanto, como oposto, eu tinha recebido a glória do que hoje não tenho e tateio no claro uma forma de organizar todo o desastre natural (porém programado). 
Começa com Rachel, eu sei que começa. 
Eu tinha luz, mas não tinha pernas e exatamente por isso me sentia no escuro. Quando acenderam a luz, eu via Rachel no espelho e, por consequência, a extensão de Rachel, e não tinha notado o quão tarde tinha ficado para não transferir a extensão de Rachel para qualquer corpo que coubesse (apesar de que nem em todos cabiam), mas coube em um, e meu mundo sacolejou como num trailer de apocalipse. Juntei minhas coisas para sair do planeta, mas no espelho tinha Rachel ainda e eu esqueci que não era eu. Antes da viagem, o mundo de Raquel abriu a porta para mim e eu não lembrei da mala pronta para ir embora. Entrei no mundo. Mas eu não sou Rachel e o mundo dela jamais será meu, tanto assim que não foi, o problema é que a essa altura já era 2016 e quando o mundo bateu a porta comigo fora, eu não tinha mais malas. E fiquei frente a um espelho que pensava ser janela, sem malas, fixada no mundo que vivi, que nem sei se assim pode ser chamado. E comecei a ser o que sou, achando que eu era eu, mas sem me mexer muito, pois quando se submete a perder-se numa salvação é mais óbvio interpretar que fomos salvos num desastre. 
Assim exatamente eu sabia ou queria que fosse: estar segura num acidente para não mais se machucar e assim segui. 
Como eu poderia ser tão ingênua depois de tudo? Não teve tudo porque o que começou em 2014 nunca começou. O que começou em 2017 nunca começou. O que eu perdi em 2019 nunca me teve. É difícil contar a história de Rachel em mim, é doloroso expulsar Rachel e River quando em um balançador numa imensidão gigante em Amsterdã, numa visão que parece tirada dos meus sonhos, de sonho mesmo quando deito e durmo. 
Hoje, tenho luz e penso não ter pernas, mas ando sem tatear e ando, ouvindo a voz de Clovis (ou do pai dele?) que diz: não volte nem para pegar impulso. E ando. 
Ontem vi a foto de alguém que não está na história e chorei desesperadamente ao entender ou achar que entendi de onde peguei a fórmula para tudo que acho que vivi e destruí (ou que penso que me destruíram). E nem sei se é isso ou se acho que não é isso por ser exatamente isso. E me dói. Mas ando. 
Alguém no Eureka disse que eu contasse toda a história até ter uma moral e conseguisse encerrar. São 5 anos de uma mesma história que começou bem antes dos nomes que parecem fazer parte da história, mas são só máscaras para as pulsões originárias, as direções que quis criar... São só máscaras para gigantes que eu conheço e escondem outros super gigantes que eu queria ter acesso em algum momento para dizer que ok, eu negocio o que for para resetar esse modelo que criamos e que eu não sou Rachel e nem poderei ser e tudo bem. Clovis se sente bem gritando numa mesa, eu me sinto bem com muito menos e gostaria que isso fosse suficiente. E ok que eu não tenha sido mais de uma vez, mais de duas vezes, ok que eu tenha sido substituída em todas as vezes que eu lembre e ok que eu tenha perdido meu tempo tentando arquitetar um plano de sair bem do que eu entrava e queria fingir que não entrava. 
Tá tudo bem porque hoje existe luz e não existe recuo. E não existe mais Rachel. E tá tudo bem que eu precise contar essa história para mim no espelho até que eu pare de entender o que vejo para que, só então, perdendo o sentido, eu volte a fazer sentido, ou melhor, origine um real. E tá tudo bem, eu sei que tá bem porque o humor está verde. E ando.

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