"Não somos livres no querer, mas somos no fazer"

O papel correto significa mais ou menos que o ator certo? A forma como suas cordas vocais funcionam não deveriam significar nada pra mim. Bem como seu sorriso contido. Muito menos seu humor questionável. E de forma nenhuma o modo como você parecia estar ali mais do que eu. E tudo isso só significa muito porque sou eu. De novo, eu. Não é pra você que estou olhando, é o que tem de mim em você. 
É um erro macabro ou a expressão da minha existência? Será que eu gosto tanto assim de mim? Questionável em várias instâncias, sobretudo, ultimamente. E esse ultimamente já faz alguns anos, mas ficou escancarado nos últimos meses, meses esses que daqui a pouco também podem virar anos, por isso dá-se minha incansável procura pela saída de emergência. 
Incansável entre várias aspas porque eu já tive queda na saturação várias vezes. E continuo porque eu sempre continuo seja lá no que for. Mesmo sem saber pra onde, para quê e, antes de tudo, o porquê. Só continuo como se minhas próprias pernas não fossem minhas, como se o impulso de todo o universo caísse sobre mim e só fosse me levando sempre pra frente. No meio disso, infelizmente, às vezes, vou de costas, nunca muda o sentido, só para onde estou olhando e o que vou perder de olhar. 
Pois bem, não fosse seu RG, talvez eu não tivesse te enxergado. Depois, não fosse seu endereço, talvez eu não tivesse aparecido. Não fosse a junção dessas duas facas pro meu tórax somadas ao que eu mesma sou, eu não estaria aqui me perguntando coisas que nem sei formular. Eu nem sei o que devo me perguntar e ainda assim sinto urgência em responder. 
A peça exatamente perfeita para substituir o enfeite quebrado na estante da minha sala. Isso não parece estranho? Qual a chance disso estar certo? Não é possível que após duas enormes vidas, a primeira porta que eu tentasse abrir fosse da casa que sempre deveria ter sido minha. Não faz sentido. Não combina com a vida.
A gente condiciona situações a pessoas de forma irresponsável. Existe uma série de coisas que precisam ser organizadas em mim e eu me sento no meio dessa sala completamente bagunçada por anos e não faço a menor ideia de por onde começar, apesar de saber como arrumar vários itens da lista. Por outro lado, certamente não tem como arrumar tudo e esperar que a ordem fique mantida até o fim dos tempos porque a vida é a bagunça que a gente deixa acontecer.
Como eu posso querer trancar a minha vida por causa de um registro geral, um endereço e um espelho? Como eu posso supor que ficaria bem morando numa casa só por causa disso? Como eu posso supor que minha satisfação estaria nisso se, quando reseto tudo, fica escancarado que eu só queria magoar um pouco algumas pessoas porque elas me magoaram e saíram ilesas? Que elas tivessem algum tipo de sentimento mesmo que ruim? Que tipo de humanidade está contida em mim e o que eu faço com essa parte vencida? Não há um lixo específico para isso e não posso jogar no chão.
Temos a terrível mania de ficar tentando negar o que está na nossa cara, mas pior que fingir que não aceita o que o outro oferece é fingir que seu próprio tórax não é seu porque nesse exato ponto se carregar se torna um peso incapaz de ser sustentado e ao mesmo tempo impossível de soltar.
Da última vez que eu parecia estar presa numa condição da vida, a única forma de sair foi abrir a porta da rua, claro, como sempre é e eu não posso mais dizer que não sei o que estou fazendo aqui dentro ainda porque eu sei, não posso dizer que não entendo as coisas, porque entendo. Não posso dizer que não quero algo que quero, não posso passar o resto da vida inventando desculpas para tentar ouvir o que queria que fosse.
É verdade quando digo que só pude dilatar sua pupila e ficar bem na ponta do seu abismo interior pela situação e não por você. É verdade. Vi a mim e me perdi numa casa desconhecida e você me diz sem palavra alguma que eu devo ir embora porque você não quer arrumar a casa e eu quero muito. E eu me digo que eu deveria ir embora de toda forma porque mesmo que você quisesse começar uma reforma, há muito de mim em você e pouco de mim em mim ainda. Não tem quase mais nada de mim em mim, então como posso querer morar com alguém se não poderei aparecer?

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