Escafandro

Bem, lá no início, anos atrás, eu sempre sentia como se você estivesse indo embora ou, de fato, já tivesse ido sem dar tchau e essa sensação me deixava com um soco no estômago por tamanha falta de educação da sua parte. Hoje, estou no passado. 
Bem, todos os dias que eu pensei em você, sempre concluía o pensamento com a certeza de que não signifiquei nada na sua vida e que eu não servia pra você (essa é minha frase preferida: eu não sirvo pra você) e, por algum motivo, continuei pensando em você, continuei olhando pro nada e vendo você, continuei achando que você ia aparecer em alguma virada do ano (porque é onde eu mais tenho forças para desejar alguma coisa, acho que a mídia assim nos influencia) e, não sei o porquê (e tudo que eu mais queria era entender), você apareceu novamente e me deixou totalmente incoerente na minha própria existência. Apareceu, provavelmente, para alguma diversão sexual, o que deveria me insultar. Ou eu deveria agradecer pelo reconhecimento de uma perfomance que atravessou tempo e espaço? Bem, para me enviar uma mensagem anônima 2,5 anos depois, eu devo ter. Mas não me insulto e nem te agradeço, apenas não aceito. Não aceito o que todos os meus amigos dizem que é tão óbvio, que você continua não me querendo, não aceito porque é injusto. É injusto que Deus tenha me colocado no exato ponto onde tudo começou a terminar depois de eu ter me afastado numa distância de 30 meses. Seria injusto. Mas Deus nunca foi injusto, então, isso não faz sentido.
Bem, lá no início, anos atrás, eu sempre sentia alguma taquicardia no meio do nada, sempre acordava ansiosa, sempre checava minhas mensagens 174x a mais do que o normal, sempre achava sua voz feliz demais, sua risada feliz demais, você bonito demais, você inteligente demais, eu feia demais, eu insuficiente demais. Tudo demais. Hoje, igual, demais.
Eu aceitei responder sua mensagem anônima depois de ter calculado a explosão do meu mundo, aceitei que a chance de eu ficar sem você e sem o resto que eu tinha suado pra ter, aceitei tudo porque você continuou sendo a única pessoa capaz de fazer com que eu arrebentasse a minha mão até a última célula para segurar qualquer coisa que pudesse nos dar, pelo menos, uma chance mínima, uma chance frágil, uma chance que quase não pode ser chamada de chance, mas, ainda assim, uma chance.
Bem, eu acho injusto tudo que sinto e tenho vergonha da grandeza desses sentimentos, pois, no fim das contas, eu nem te conheço direito. Eu acho injusto que você tenha voltado cedo demais (mesmo que tenha passado anos) e eu não consiga te tratar mal ou apenas indiferente. Eu acho injusto, também, que a humanidade tenha que me ensinar a pensar assim, que o certo seria você voltar quando eu também não quisesse mais nada e aí poderíamos não ter nada e ser felizes cada um na sua depois de uma diversão aleatória sem um menor interesse a mais. Eu acho injusto que você tenha medo de me magoar porque isso me faz entender que você só sabe fazer isso mesmo. Acho injusto que você não permita que eu realmente entenda porque você resolveu aparecer novamente. Acho injusto não me concentrar nas demais pessoas, nas pessoas que realmente fariam de tudo para não me machucar, nas pessoas que me imploram para sair dessa (dessa: você). Injusto você, mas eu nunca. Nem Deus. Isso é certo. E sempre será.
Bem, eu, depois de te mostrar tudo que fiz pra você durante esses anos, sabia que havia alguma chance de eu nunca mais poder escrever para você porque eu podia descobrir a piada atemporal que eu tinha criado e desistir, mas, veja onde estou novamente. 
Você disse "até amanhã" e sumiu. E talvez não apareça nunca mais, talvez hoje ou talvez daqui a mais 30 meses depois de terminar outro relacionamento com alguém que serve para você. 
Bem, eu nem tenho caminhos de ir atrás de você. Não tive nos últimos anos, não teria nos próximos. É caro saber que prefiro continuar escrevendo toda a nossa história fictícia a desistir de você porque isso implicaria em assumir outro roteiro, em assumir que posso deixar que outra pessoa consuma meu oxigênio psicológico ou aceitar, definitivamente, que eu não tenho estrutura de ficar com absolutamente ninguém, assumir outra coisa, viver outra coisa, sentir dor por outra coisa, reprogramar meus textos para outra coisa e eu sou fraca demais para o desconhecido e prefiro achar que a única incógnita que aguento é você. 
Eu sei que você não quer estar comigo, eu continuo sabendo, continuo aceitando, provavelmente, continuarei escrevendo e falando com você em pensamento, mas, você voltar não faz sentido, aliás, é necessário que exista algum sentido e é injusto que eu não possa o decifrar. Já pensei que a culpa foi minha por ter mentalizado tanto, mas eu nunca mentalizei que você voltasse só para reafirmar o que eu já tinha ouvido e aceitado porque essa, sim, seria a parte mais injusta, afinal, isso seria útil em quê para minha própria vida e saúde?

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