867

Quando olhei rapidamente para a janela, vi meus olhos dentro dos seus e paralisei. Bem, eu tinha dito há alguns dias que queria um pouco mais de você e você deu um pouco e agora estou dizendo que quero um pouco ainda mais, o que talvez seja muito doido. Mas eu paralisei. Podia ter corrido até o vidro pra ver em que rua você dobraria e se dobraria, se sairia apressado da minha rua e se sairia. Parte de mim diz que talvez não fosse você, mas eu reconheceria seus olhos, apesar de sem óculos. Não menos do que uma certeza absoluta: era você. 
Não fui ver, fiquei sentada calculando todas as possibilidades sobre todas as coisas embaixo do céu que envolvam eu e você e, sinceramente? Nem sei pra quê. Dois dias depois, a resposta era bem simples: não fui ver porque não tenho a coragem de descobrir que continuo não servindo pra você. 
Não faço a menor ideia do motivo da sua brisa nos meus cabelos e infinitamente menos dos seus olhos se enfiando nos meus através do vidro da minha própria janela. Não me importaria de abandonar absolutamente tudo que caminhei para segurar sua mão, mas me dói, me estraçalha pensar que posso trocar tudo isso só para descobrir que continuo não servindo pra você. Eu aguentaria ser destruída por qualquer pessoa do mundo inteiro, menos novamente por você. Também aguentaria lidar com a ausência de qualquer um, menos com sua ausência energética que preenche sua ausência física nesses 867 dias desde que você decidiu que eu não servia pra você e foi embora. 
Calculei o caminho até a casa da sua família que nunca descobri onde era, calculei o que falaria, calculei tudo que eu te diria e calculei até a exata parte que, de tantos universos que tenho pra te falar, eu ia acabar sem saber o que dizer e pra nada. Não tem como eu ir até a janela porque eu tenho muito medo de descobrir que você só passou nela por engano. 
Tenho medo que você tire de mim o que eu fiz de você pra mim em todos esses anos. 
Tenho medo que eu mesma tire de mim ao, por exemplo, descobrir que você nunca foi absolutamente nada do que montei no universo de nós dois e abrir finalmente os olhos. Terei perdido o que andei sem você e o que andei com você no faz de conta de quase 900 dias. São dois universos gigantes que eu seguro e que posso perder só por ir até a janela pra tentar te dar um oi e eu não sei se tenho peito o suficiente para assumir esse risco. 
Sua batida na porta, porém, faria com que eles ficassem pra trás por vontade própria deles até, pois tenho certeza de que cada átomo que surgiu ou que ficou desde que você se foi torce por mim da forma mais pura que há. Então, tente lembrar que a porta sempre esteve aberta, aliás, a porta nunca existiu, só precisa vir pelo lado certo. É bem simples, apesar de talvez ser muito, visto que eu disse que só precisava de pouco. Mas a gente sempre foi muito, pois a gente sempre foi tudo que fui e continuo sendo.






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