Irma, Katia e José

Tenho adiado abrir a janela mais por medo de você desaparecer do que por medo de você destruir minha casa. Mesmo sabendo que você não vai invadir nada. Mesmo sabendo que você não sabe nem onde é minha janela porque nunca soube onde eu morava de verdade. É engraçada a natureza no tocante ao seu assombroso mistério e seu senso gigantesco de ironia. Mais de 800 dias passaram desde a última vez que vi a nossa cidade embaixo de toda terra possível e então, há poucos dias, senti uma brisa no cabelo, uma brisa diferente de qualquer outra, diferente em temperatura, diferente em textura, nenhuma outra conjunção de partículas me tocaria como essa brisa, por isso eu sabia do que se tratava e mesmo sabendo tanto assim, ainda tem uma coisa estranha. Essa coisa estranha significa que, apesar de eu ter certeza da natureza desse desastre natural, talvez ele aconteça do outro lado do meu mundo. Talvez outras cidades sejam soterradas depois de você já ter feito isso, explicitamente, em outra. Pode ser, também, que quem esteja a sete palmos agora seja você, afinal, todo mundo pode ser tempestade de alguma forma para alguém. Tenho medo de olhar pela janela e não te ver, apesar de ter certeza que você nunca esteve do outro lado dela. Essa leve e incomparável brisa mais do que no meu cabelo, tocou cada célula de cada víscera em mim e me fez sorrir por horas imaginando o apocalipse que poderíamos ter para uma gênesis, enfim.


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