Cápsula amarela

Já fui tão mais mulher. Já tive, nas pernas, uma força muito maior para segurar minha coluna ereta. Já não me importei de amanhecer sem que eu anoitecesse. Engoli o amargo de uma companhia irresponsável e lunática por vezes que não consigo contar exatamente agora. Já senti meu coração no asfalto, diante dos meus pés, e me perguntei como era possível não estar morta. 
Teve um dia, há anos, que abracei meus joelhos e tive certeza que meu juízo tinha acabado bem ali, naquele instante. Não acabou, se refez, se mostrou maior que tudo que eu possa medir. Hoje tenho me sentido numa regressão infinita, como se descendo num toboágua que não posso frear, me levando a um oceano de imaturidade. Como alguém pode evoluir, depois de tanto tempo, para trás, finalmente? Que tipo de vida faz sentido de cabeça para baixo? Nunca concordei, nem quis aceitar, que a mulher é feita pelo meio, mas agora eu sou muito mais o meio que uma mulher e isso me dói. E toda vida que arrasto minhas mãos nessas paredes de fibra, elas queimam e, às vezes, quase capoto, quebro meu hioide. Quase, quase. Fico na eterna dúvida entre morrer ou descer até o final e ser lixo sem volta. 
Nem consigo me lembrar o exato ponto que me deixei cair nisso e aí metabolizo energias neons que transcendam a minha alma para o nada porque não quero estar acima do oceano para me sentir superior porque o meu epicentro é o que sempre foi: não estar em local nenhum para, assim, estar por fim segura. Eu sei que água inunda toda brecha possível e aceito que não tem como viver sem me molhar, mas preciso de mim e, aqui, eu me perdi.


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