Montanha em Moscou

É exatamente a quarta vez que eu ia me impedir de escrever sobre isso por medo de alimentar a imaginação macabra que insiste em aparecer por aqui. Não faço a menor ideia do ponto em que decidi que ia me perder de você, faço menos ainda da hora que comecei a te achar novamente em mim. Não é, veja bem: realmente não é que eu queira passar o resto da minha vida com você, sequer consigo pensar nisso, e olha que já tentei, não é que eu queira trocar tudo que tenho por uma noite aleatória, não é que eu queira atuar em Closer, sendo que numa vida real, não é nada disso e não é nada, absolutamente nada, que eu consiga explicar. 
Quando você colocou bomba no local que eu sentava para te admirar ou quando você simplesmente, ao lado da passagem de várias e várias páginas de um livro enorme, disse que achava (ou tinha certeza? Não lembro.) que estava gostando de mim ou quando aceitou minha loucura de encenar comigo (que, hoje, já não sei se foi eu que fiz a proposta do filme) ou quando nunca, sabe? Quando nunca, em nenhum momento, nada do que posso narrar sobre tudo (que, sem dúvidas, foi quase nada), em todos esses momentos, em todos estes nadas, em todas as vezes que olhei de longe pra você, esperando cada momento que você não olhasse de volta para que eu me sentisse segura em te analisar no silêncio do que não existe, em cada uma dessas partes, eu não sei se há mais de você ou de mim. 
Ok, eu fico deixando tudo confuso demais, às vezes, propositalmente, às vezes, porque é o que tem em mim e eu vomito a confusão, o inexplicável, o incompreensível. Fico pensando que sorte a minha de confiar em tudo que não entendo de mim, que sorte a minha de ter a mim, caso não fosse eu, caso eu não tivesse a mim, você teria me empurrado num precipício e dito que não fazia ideia que uma queda machuca e eu não teria acreditado nisso porque, para mim, é inconcebível que uma mente bem exercitada não sinta. Eu nunca acreditaria que você não sente, não sentiu ou não viria a. Não entendo o ponto que me deixa querendo você ao meu lado numa montanha russa velha sem manutenção técnica porque ele é o mesmo que me diz que a sua vida é só sua e que eu jamais poderei colocar um pé dentro dela e não porque eu não queira ou porque acredito que você não quer, mas por achar que você não é capaz de ser transparente e essa parte é engraçada demais porque, um dia, enquanto na fila deste parque mental, achei que eu conseguia ver seus órgãos e cada sentimento por baixo de sua pele e, vendo todos eles, ou melhor, pensando que estava vendo, eu quis ir embora e te deixar ali na fila sem mim. Após ter ido, você me explicou que não sentia e que nunca estaria sozinho comigo num carrinho. 
Não sei nem se você é capaz de entender tudo isso porque algumas partes mínimas na história da minha compreensão foram deletadas, principalmente as que me levam e me tiram do seu alcance. Você me perguntou mais de uma vez se eu já tinha escrito sobre você e eu nunca quis responder, e, neste exato ponto, se por algum acaso você lesse isso, gostaria que entendesse com força que isso não é sobre você porque eu sequer sei o que você significa. Então sou eu, sempre sou eu. Nunca é alguém e talvez eu tente sempre te tratar como sendo ninguém pelo tiro de raspão que você me deu quando quase deixei você ser alguém.


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