G

Já não sabendo mais seu sobrenome, infelizmente acredito que um dia também não lembrarei sequer o nome. Ainda sei que começa com G. E tudo isso é o que posso fazer: usar sua inicial. Hoje, nem elas usei porque, para acentuar a falta de humanização (ou excesso dela?) (nunca sei se humanização refere-se a algo BOM em se tratando de humanos, pois: olha pro mundo!), pediram para ignorar seu nome. Você estava em uma unidade de tratamento intensivo e foi em quem meus olhos pararam assim que entrei, sua forma de deitar, sua forma de estar, o mal estar girando em torno de sua cama e eu, ali, sem poder ser sua salvação. Ninguém ali, aliás. E álcool gel nas mãos. E a sensação de "começou". Você não foi meu primeiro contato, mas saiba, você foi meu primeiro real impacto. Provavelmente nunca mais nos veremos. Só agora lembrei que nem meu nome deixei você saber. Humanização. Você estava ali sem saber responder às perguntas. E perguntar era tudo que eu podia e devia fazer. E você não tinha condições de me oferecer nisso. E era uma UTI. E você cantou e três mil fichas caíram. E as perguntas não significavam mais nada quando você cantou. Você cantou numa cama de UTI. "Vamos pensar em coisas boas, G.", você me fez crescer infinitamente e eu nunca irei esquecer. Sorrimos juntas dentro de uma UTI. Você cantou e eu abandonei tudo que existia dentro e fora de mim para ouvir numa cama de UTI.

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