Atropina

Quando no filme mais esperado do meu cinema aconteceu um plot twist e fui obrigada a permanecer sentada vendo que tudo que eu tinha criado virou oposição a mim mesma, imaginei sair daquela sala e nunca mais me submeter a assistir nada sobre mim, mas a saída estava trancada e tive que demorar na sala mais do que pensei aguentar. Não aguentei tanto que depois, de alguma forma, eu tinha aguentado. 
Antes mesmo de poder ver novamente a luz do real céu, precisei decidir que a vida continua e a gente continua também, então decidi não mais dirigir atuações alheias, nem mesmo as minhas. E assim fui até cair num ciclone. Neste ciclone, tentei ficar imóvel para não me quebrar muito como antes, como sempre antes. Alguém segurou em minha mão sem antes mesmo me dizer o próprio papel que tinha. E eu, em algum momento próximo ao anterior, tentei segurar na de outro alguém. Lembremos que o modelo de ser humano completo comporta duas mãos. Soltei a mão que segurei porque me arrependi, lembra que eu não quero dirigir? Agora, pela ansiedade de uma criança mimada, fico esperando essa mão segurar com força na minha e não permitir que eu me solte e voe sem rumo. 
Lembremos, porém, que há outra mão. Lembremos que tenho duas. Lembremos que, um dia, tudo que quis foi a sua. Um dia pensei que tudo que eu precisava era de uma terceira. Outro dia desejei nunca mais desejar além das minhas duas próprias. Sabe, você me salvou de um transtorno mental cansativo e fracassado, mesmo que tenha me dado um transtorno severamente forte e com sucesso de um real transtorno, daqueles que cegam e enfiam um prego tão fundo que, mesmo hoje, sabendo que tá tudo bem com sua ausência, não sei onde colocar minhas mãos. 
Sabe aquele desconforto em estar na frente de uma pessoa e não saber o que fazer com as mãos? O que eu faço com minhas mãos? A indecisão parece um monstro na sala que avisa que tá vindo pro quarto me matar se eu não decidir sair ou ir lá destruí-lo. Hoje eu sou você que dizia sempre que tudo permanece aberto enquanto não escolhemos. Você nunca me escolheu. E se eu não escolher alguém, nem sequer a mim mesma, todos cairemos e iremos apodrecer, mas mais uma vez: eu estou exausta de dirigir tudo. Então, por tudo que existe de mais sagrado: o que eu faço com minhas mãos?
De um lado, há a firme decisão de que o tempo não significa nada perto do querer. Concordo.
De outro, a racional visão de que tudo no seu tempo e que nossos pulmões precisam de ar para não sufocarmos com a pressa. E concordo.
Tenho, hoje, exatamente duas partes de mim fora do meu corpo e não sei o que fazer porque o fato de entrar no mundo da magia rosa seria o medo de acabar amanhã e ter rapidamente que aproveitar enquanto existe, correr o perigo de ver que tudo foi uma fantasia rápida de um pensamento mal elaborado pela falta de tempo que deixei de dar e o fato de, com as mãos na cintura, esperar o tempo dizer quem é quem e o que cada quem realmente deseja é encarar a possibilidade de ver que ninguém quer nada. 
Engraçado é que tudo que passei ultimamente foi me frustrar pela indecisão alheia. Agora a alheia sou eu.

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