Nhão

Uma vez me disseram que crescer é um processo que esfola. E esfola. Por muitos anos, todas as minhas tentativas de ficar bem em uma temporada ruim foram vomitando propositalmente, colocando em cada lixeira que eu passava todo lixo entalado em minha faringe. Consumindo todos os sinônimos já invetados para os mesmos textos pintados de textos diferentes. Todas as vezes em que fiquei mal, quis sentir cada gota e cada centímetro do mal estar por pensar, assim, afastar a possibilidade de encontrar algo inacabado posteriormente. E deu certo. Mas me comi viva todas as vezes. Morri em vários pontos da vida. E sobrevivi. 
Chega um ponto, porém, e ainda bem que chega, que a gente não tem mais casa interna para se abrigar, não tem mais ouvido humano que aguente o trio elétrico com a mesma banda saindo dos nossos lábios, não tem mais lixeira disponível. Ou tem. Ou sempre terá. Mas chega o exato ponto em que a gente abraça a tristeza e diz "me come aqui, só eu e você porque eu não vou te espalhar" e ela se assusta e apesar de não ir embora, ela vai baixando o queixo. Não é que ela não vai possuir a capacidade de te mastigar. Vai. Vai doer muito mais em muito menos tempo. Talvez seja necessário ser mais forte em três dias que em três, cinco ou oito meses de luto. 
Evitei textos, evitei seu nome na minha boca. Não pude evitar, todavia, acordar sufocada com medo de você não estar e morrer quando, ao acordar, ver que você realmente não estava. Não pude evitar a morte em meus olhos refletida em todos as superfícies que refletiam, mas pude bater três com martelo vezes por segundo, por várias vezes que ia passar e ia passar porque eu queria que passasse. 
A gente se apega ao problema, a gente cria um problema, alimenta, troca fralda, não deixa cair no chão, beija, dorme junto. A gente esquece que aquilo que pensamos ser um presente solar é um problema. A gente é meio doido e fazemos isso com nós mesmos como um vício macabro. Não dá para ser feliz até escolher que queremos ser, que vamos ser. Parece bobagem. E é. É bobagem grande, bobagem doida, bobagem gritante que a gente lê e pensa "que bobagem da porra" e não aceita ser feliz. A gente é muito doido de meter a cara num muro porque fechamos os olhos e fingimos que foi sem querer. A gente finge que é doido. 
Você não vai vomitar qualquer tristezinha filha da puta por cada esquina e em cima de cada ombro que passe, você vai escolher ficar bem e vai amar acordar sem o peito arder. O meu peito amanheceu sem arder há quantos dias? Não faço ideia porque quem contabiliza os dias não está feliz. A gente conta quantos dias passou mal. Passei cinco meses triste por esse, oito ou vinte e quatro por aquela e sete por você. Feliz eu não sei. Feliz eu nem quero saber porque quero mais ser que contar. É muito bom ser. 
Eu sei que fantasio com alguém, mas quem seria eu sem fantasiar com alguém? Eu disse que crescer esfola. Eu não, mas alguém. Crescer também é aceitar, depois de torar muito os pulsos, que tem coisas em nosso mundo interno que não vão mudar e não são para mudar. Eu tô feliz com meu peito e por isso feliz com alguém que nem sei quem e nem sei se vem amanhã. Mas sei que se amanhã ele não vier, outro vem. Porque é assim. Quem tem que ficar sou eu. E só. Não necessariamente sozinha, porém. 
Nunca olhei para o rosto de alguém, por exemplo, e quis que ele segurasse meu bebê. Segurasse meu bebê e metade do material genético dele. Nunca. Vai ter gente me chamando de doida porque vai dizer que nem conheço o cara. Que apesar dele ter esperado um ano para me mandar a segunda mensagem no facebook, este ano não foi nada. E não foi mesmo. Não sei. Terminei meu namoro em outubro passado, mas terminei contigo dois dias antes da segunda mensagem dele, estranho, né? Parece que Deus disse "é agora, vai!", mas eu penso "se você tivesse dito que me queria, eu teria ficado, e aí? E a mensagem do menino?". Não sei. Alguém sabe? 
Sabia que o filme preferido dele é o mesmo do meu? Eu sabia há um ano. E, há um ano, tudo que ele me mandou foi parabéns por passar em medicina e "que pena que não será minha caloura", senti pena também, mas não muita porque eu namorava. Sei lá, gente, vi ele duas vezes. Tem uma terceira marcada, mas será que vai ter? Deus sabe, eu não. 
Também sou doida, ansiosa, insegura e louca. Odeio quando alguém se auto intitula de doido, mas se eu não sou doida como posso pensar nesse menino tanto assim? Eu mal conheço esse ser humano e ele me chamou para um plantão de obstetrícia, sendo que é obstetra o que quero ser, como ele pode gostar dos filmes que eu gosto e falar coisas tão legais? Será que sou doida? Não, talvez só normal. Comecei falando de crescer, falei com você e aqui no  final queria mandar você ir se foder!!! 
Quem quer, fica. Quem quer, apenas fica muito. Que se dane se eu disse que ia embora. Você sabe que eu não queria ir. Foda-se mais uma vez! Foda-se mil vezes. 
É claro que me assombro em pensar que esse ser humano que caiu perdido em minha cabeça possa ser apenas algo de férias e que depois você volte com força em minha mente, mas agora eu nem sinto nada, nem sonho com você, nem tremo vendo seu nome e olha que ele tem me perseguido! Só dou risada e penso nele. No menino, não no seu nome. Penso muito nele. Penso tanto nele. Penso nada em tristeza, penso nadinha em vomitar. Vai ver eu mudei naquela mesa, do seu lado, quando vomitei sem querer em cima de mim e de você. Sempre vomitei por querer. Naquele dia, sem querer. Depois daquele dia, prendi o vômito, prendi você, a tristeza e todo raio que pudesse me partir. Tô feliz pra caralho. Tô mesmo. E aceito estar.


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