Luminescência IV

"[...] Que é que eu faço, é de noite e eu estou viva. Estar viva está me matando aos
poucos, e eu estou toda alerta no escuro.
Houve uma pausa, ela chegou a pensar que Ulisses não ouvira. Então ele disse
com voz calma e apaziguante:
— Agüente. [...]


[...] E agora era ela quem sentia a vontade de ficar sem Ulisses, durante algum
tempo, para poder aprender sozinha a ser. Já duas semanas se haviam passado e Lóri
sentia às vezes uma saudade tão grande que era como uma fome. Só passaria quando
ela comesse a presença de Ulisses. Mas às vezes a saudade era tão profunda que a
presença, calculava ela, seria pouco; ela quereria absorver Ulisses todo. Essa vontade
dela ser de Ulisses e de Ulisses ser dela para uma unificação inteira era um dos
sentimentos mais urgentes que tivera na vida. Ela se controlava, não telefonava, feliz em
poder sentir. [...]


[...] Pelos minutos de alegria por que passara, Lóri soube que a pessoa devia
deixar-se inundar pela alegria aos poucos — pois era vida nascendo. E quem não tivesse
força de ter prazer, que antes cobrisse cada nervo com uma película protetora, com uma
película de morte para poder tolerar o grande da vida. Essa película podia consistir em
Lóri em qualquer ato formal, em qualquer tipo de silêncio, em aulas aos alunos ou em
várias palavras sem sentido: era o que ela fazia. Pois o prazer não era de se brincar com
ele. O prazer era nós.
E em Lóri o prazer, por falta de prática, estava no limiar da angústia. Seu peito se
contraiu, a força desmoronou: era a angústia sim. E, se ela não fizesse nada contra,
sentia que seria a pior de suas angústias. Teve medo então. [...]


[...] Que é que eu faço? Não estou aguentando viver. A vida é tão curta e eu não
estou aguentando viver. [...]


[...] Você se lembra de que uma vez me perguntou por que eu
voluntariamente me afastara das pessoas? Agora posso falar. É que não quero ser
platônica em relação a mim mesma. Sou profundamente derrotada pelo mundo em que
vivo. Separei-me só por uns tempos por causa de minha derrota e por sentir que os outros
também eram derrotados. Então fechei-me numa individualização que se eu não tomasse
cuidado poderia se transformar em solidão histérica ou contemplativa. [...]"

Clarice Lispector

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