Muita bosta, pouco pau

Está acampando em mim aquela grossa vontade de vomitar a dor. Fiquei tão ansiosa na última noite que estou acordada há 30 horas. Não sei quando comecei a ficar tão nervosa com as coisas, como se nada fosse dar certo, como se o mundo fosse ser derrubado no próximo segundo, como se, apesar de não estar fazendo nada, eu estivesse fazendo tudo errado. 
Ontem alguém bateu na porta, aqui, da casa da minha mãe, e achei que era você porque disseram "Ágatha está?", podia ser uma pessoa morta que tivesse acabado de levantar de uma cova, mas não seria sua voz. Eu odeio você. Odeio que tenha me feito pensar que seria seu corpo ali porque eu estava saindo do banho e quis ir correndo até a rua só de toalha porque queria que fosse, mas está mais morto que a pessoa morta que poderia levantar e vir, e olha que nem morreu, e Deus me livre e te livre disso agora. Não estou segurando a vida nem contigo vivo, imagine se morresse. 
Eu, de fato, nem conhecia o cara que apareceu. E isso é tão irônico que chega a doer de tão triste que também é. Até estranhos me procuram e você, não. Mas eu não te conheço, não é? Não faço a menor ideia de quem infernos és. E deixei que soubesse quem eu era, não foi? E me sinto como quem vai à casa de alguém e tira a roupa para esse alguém, mas esse alguém não tira e a casa vira a praça mais pública de uma cidade. É assim que eu me sinto. 
Sinto sua falta, mas odeio sua cara. Sinto sua falta e odeio que não sinta a minha, odeio que tenha esquecido a porra do meu nome porque eu amo meu nome, amo tanto, tanto, tanto que não consigo aceitar que alguém tenha o direito de esquecer depois de pronunciar. E não é um problema de ego, eu realmente estou falando apenas do meu nome.
Talvez eu seja a pessoa mais errada que já conheci, talvez, apenas, a mais medrosa. Eu nem te conheço e tenho tanto medo do que poderia fazer que anotei tudo em uma agenda, tudo que seria possível que suas mãos fizessem com meu corpo e mente, sentei e sofri, lendo e sentindo. E o sofrimento nunca mais passou.
Do outro lado, sinto que peguei uma vida minha, coloquei dentro de uma sacola e joguei no lixo e eu queria, agora, que você tivesse culpa dessa burrice que fiz só para te odiar mais ou só para nem sei o quê, mas eu nem conhecia você naquela hora que rodei a sacola... Nem conheço, ainda, agora. E a gente pode ler esse "ainda" como uma esperança bem doida e sofrida daquelas que eu depositava em minha mãe antigamente: apenas por depositar, pois não tinha uma base segura, nem sequer metade de um fundamento.
Queria ser um pouco decente em saber aceitar o que sei que quero, mas toda noite faço uma pegadinha, mudo uma vontade e decreto como lei. Sei que estou apenas tentando cuidar de mim, mas não dá mais nem para confiar na minha cabeça e isso também é incrivelmente triste.
Eu estava com uma vida leve, iluminada, básica, confortável, desse jeito que eu sempre prefiro as coisas. Ok, sempre não, algumas vezes gosto de ter umas convulsões e bater a cabeça até lembrar o que é dor e para onde devo voltar. Do jeito que acho uma roupa bonita, sem muita informação. Do jeito que gosto das pessoas. Do jeito que gosto de mim. Era isso que eu tinha e foi isso que deixei ir embora e fico rasgando minha pele toda hora porque fico me dizendo que o problema nem estava nisso (de fato, nem estava mesmo (mas, hein? será?)) e depois de tanto me morder, lembrei que já estive nessa mesma, mesminha, igualzinha situação: não querendo me perdoar nem a pau e esquecendo de que quem cagou o pau (odeio muito essa expressão, mas nada cabe melhor) não foi eu. 
Eu não fui a culpada e mesmo assim não sei me desculpar. 
Doei minhas vísceras não com exalação de dor, mas apenas porque eu queria. Quis ser boa, quis ser leve, iluminada, básica e confortável, assim como a situação, sozinha, já era, assim como a pessoa, sozinha (ou comigo?) já era. E fui. E veio o mundo e cagou tudo e ele não fechou nenhuma porta, não quis fazer nada e eu que não ia limpar tudo sozinha pro resto da vida. 
Desculpa, sou mulher demais para esse tipo de coisa. 
Mas agora ele esqueceu, agora foi embora, agora parou de doer. Agora ele desistiu. Agora desistiu de alguém que não cagou o pau. E eu não sei me desculpar.
Enquanto isso, você não sabe nem meu nome. Queria que se estrepasse, se lascasse, que alguém te machucasse, que ficasse nu para alguém numa praça pública, que chorasse, que passasse 30 horas acordado com a respiração descontrolada e achando que é a morte chegando e que me procurasse e que eu dissesse que não podia aparecer, mas que você, ainda assim, aparecesse para que eu, dessa vez, fechasse a bosta da porta na sua cara!


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