Entrando em G0

Todo pesar será evitado se eu fugir com antecedência de um barco que sei que vai afundar. Mas sempre quero ficar com a ganância de não perder a festa nem a emoção da agonia dos últimos segundos alheios. Como se os últimos segundos que antecedessem a minha própria queda não fossem meus, mas, sim, voltados a notar, no rosto de quem presencia, tudo que é possível de ser visto, seja bom ou seja horrível. É a vontade de ver nos olhos alheios a ignorância ou o prazer de me deixar cair. Nestes últimos momentos, apesar de saber que vou levantar (se levantar) cheia de hematomas, isso é sempre o que menos importa. Como se eu fosse retardada mesmo.
Não consigo simplesmente abandonar as coisas porque meu espírito se amarra a toda situação não espiritual. Não sei se todo mundo tem a anormalidade de delirar com tudo que passa e acaba ou se algumas pessoas realmente apreciam o presente e o possuir. 
Outro problema é subverter a própria memória, como quando, por exemplo, fingi que você não estava falando mil textos que não deveriam ser ditos, desorganizei o momento e pensei que era a liberdade e o bem estar gritando. Não era. Tumultuei a própria mente a troco de nem sei o quê já que nada foi pago. O maior perigo de todos é quando me encontro em algum olhar estranho e perturbado e entre uma vitrine espelhada e um milhão depois, isso acontece.
Todavia, isso pouco tem a ver com o descontrole de saber lidar com o próprio tempo e espaço individual. Às vezes parece que tem um demônio em minha mente e que não há vitória que o destrua. Pensei ter absoluta certeza que ele se referia a algo não humano, mas agora eu quase o vejo quando me vejo não nos espelhos mas em raras pupilas alheias. Acho que apesar de ninguém nunca saber metade do que está fazendo, poucos admitem isso silenciosamente para a própria mente. Mas se muita coisa pode ser evitada quando a gente sai antes do lixo ser varrido, então, pela primeira vez, eu me recuso a andar em círculos. 
Por mais que eu fique meio cega ao sair de uma enorme temporada de luz onde a única fonte natural de emissão era você, não vou correr o risco de fazer o que eu sempre fiz com todo mundo porque além de respeitar a tua alma, preciso respeitar a minha.

Comentários