Mais dos menos

Morar sozinha é bom, diziam. Realizar um sonho... Bem, sobre isso pouco diziam, porque paravam na parte do tentar, "tente, tente, tente". Portanto, eu mesma digo: realize! É muito mais do que qualquer pessoa poderá descrever, inclusive eu. E morar só é, sim, bom. Mas até a hora da dor bater na porta da rua. Embora você possa se esconder atrás da porta do quarto ou até mesmo embaixo da cama, a dor que bate na porta é a mesma que não respeita a porta, só bate para avisar que vai arrombar. E arromba. 
Quando a gente precisa de um resgate, mas não tem condições de gritar ou telefonar e está sozinha, faz o que? Isso é o que dá para se perguntar um milhão de vezes quando se decide que vai morar sozinha mesmo e que não quer outra condição, mesmo. Mas morar só é diferente de estar só. Embora eu seja debilitada mentalmente e implore agora para que eu não continue neste estado solitário, sei que se você voltar terei um futuro pior porque basta pesquisar no histórico: todas as vezes que coloquei as malas de alguém para fora e as deixei entrar de volta, elas foram levadas embora junto com minhas artérias. Penso eu que por algum tipo de vingança mundial. 
Sempre me senti totalmente demais por ser tão firme nas próprias pernas, mas eu estava na porcaria de uma autoproteção pintada de invisível. E agora, não. Agora o mundo está esperando que eu seja totalmente demais. Ou exponha que nunca fui mais que bem menos. E eu deveria estar feliz porque vou ser quem desenhei num papel que queria ser quando sequer sabia o que era raciocinar, e quantos fazem isso? Quantos seguram com as unhas quebradas e os dentes quebrando o destino que quer ter? Mas estou nua no chão morrendo de calor achando que não sei partir nem uma laranja, imagine um corpo humano, nadando nas lágrimas por achar que sou idiota até quando autentico em um cartório chique um papel de confiança na última pessoa que pensei que me amava com toda sinceridade.
Tenho vergonha de minhas escolhas humanas. E apesar de odiar o sentimento, tenho pena de minha burrice em relação ao amor. Eu finjo saber tanto, eu finjo que já fui tão amada, finjo ser uma profissional do amor, mas quando paro e deito nua neste chão, sinto que nunca recebi nenhum e que todos que me esforcei a dar foram jogados num mar de bosta. 
Daqui a pouco tenho mais um teste para me perguntar se sei ou não fazer alguma coisa em um corpo humano que não o meu. E, apesar de achar, provavelmente desde que nasci, que tenho capacidades incontestáveis, estes testes que me deixam abaixo da média me fazem sentir menos que um lixo, menos que nada. E nos que me colocam distâncias consideráveis do restante testado, não consigo admitir meu esforço ou minha capacidade incontestável, penso apenas que foi sorte. Doente da porra da cabeça com causa em um coração cada vez mais chumbado. E chumbar sempre dói. 
Embora eu tenha angústia por todo dia que eu ando, toda hora que eu atravesso, desde que fiz 13 anos, e já tenho 21, sinto uma angústia que não passa, uma sensação desgraçada de que eu sou muito dilacerada, mas não consigo achar nenhuma laceração e aí rezo toda hora para ter problemas reais que eu enxergue a origem, que eu chore e saiba o motivo de estar chorando que eu implore para morrer e apresente um motivo concreto. "Eu nem tinha febre e nem vomitava. Mas por dentro eu tinha febre e vomitava e tinha asma e tinha bactérias e estava alérgica e estava tendo uma parada cardíaca. E lá fora estava sol e dava para eu ser feliz." 
Obviamente para escrever essa porcaria toda igual a tudo que já escrevi, coloco uma lista de músicas infelizes, obviamente eu poderia estar estudando, mas, não, tenho que estar aqui escrevendo sobre mais uma pessoa que fez eu me sentir igual aqueles gatos atropelados da Avenida Padre Cícero, todos com evisceração na porra de um asfalto quente e todos os Homo sapiens indo e vindo sem se preocupar meio milímetro já que é uma cena tão frequente.


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