Vencemos a validade.

"Tá aí?" foi o que você me mandou um segundo antes de eu dormir e durante todo o segundo pensei no quanto desejei alguma coisa assim de você, menos de um ano antes. Esperava e rezava para receber, pelo menos, um "estou aqui" nem que vestido apenas de educação, não esperava um "tá aí?" porque era esperar demais. Era querer demais uma pergunta que veste, mesmo que pouco, mesmo que quase nada, uma roupinha, uma calcinha ou uma meia de humilhação, que em alguma tradução (não pode ser traduzido assim só por mim) significa que você precisava de mim. Precisava, sim. Ninguém chama alguém de madrugada apenas por chamar, muito menos, mas muito, muito, muito menos mesmo em um dia útil de semana. Não que seus dias de semana sejam tão úteis assim. Desde que você perdeu a utilidade para mim, seu mundo também me parece inútil. Você de todo, aliás. 
Enquanto eu precisava de você naquelas madrugadas sem fim (quando elas acabavam era acordando de um pesadelo em que sua atual era mil vezes mais brilhante que eu, ela pode ser linda, ela pode ser sessenta e cinco milhões de vezes mais bonita de corpo, de rosto e de cabelo que eu, mas mais brilhante, não, de forma alguma, e você sabe. E quem é que não sabe?), outros precisavam de mim nas mesmas madrugadas e lá estava eu atendendo telefonemas no meio dos livros (fieis companheiros de atravessar madrugadas de silêncios gritantes) e ouvindo de um que "eu era a coisa mais próxima de uma namorada" e que precisava me dizer que não aguentava mais a vida sem o menor motivo, além de claro, ter sido deixado pela ex. Eu também tinha sido deixada pelo ex, que, no caso, era você, mas eu aguentava a vida. E aguento. E vou aguentar. Isso é coisa de gente doida, não é? 
Outras madrugadas, eu era amiga, amigona, irmã, mãe e travesseiro de um cara que tinha namorada, mas me amava de forma doida, bem doida. E eu dizia a ele que amava você. Eu beijava ele e citava que minha boca ainda era sua. Eu dizia que se você batesse o pé, eu estaria ao seu lado em um minuto. Eu dizia essas coisas nojentas. E ele continuava lá por mim porque, no fundo, ainda mais na superfície, eu estava lá por ele. Porque, notavelmente, a namorada dele era um lixo vencido.
Você precisou de mim, eu dei as costas e fui dormir. Não com vontade de troco porque você não tinha me pagado nada para eu te dar algum tipo de troco. Apenas (e observe que por ser "apenas" é bem pior) por preferir mesmo dormir. Quantas porras de noites eu precisei de qualquer emissão orgânica sua? E em quantas delas você estava dormindo? Ou com outra mulher? Fosse nu ou vestido. Ou, simples e de forma pura, sem lembrar que eu existo? Quando eu fui de pijama até a porta do seu prédio. Nem era na mesma cidade. E fui de pijama. E fui com a pele ardendo no sol como quem estivesse de castigo. Um castigo para você tirar. Mas você não tirou, só disse que "tinha que entrar". Andei quilômetros para dizer que amava você e você "precisou entrar", aumentando meu castigo. 
Eu não sei como notei que você também tinha virado lixo. E nem que tinha vencido. Mas sei o dia exato que coloquei você para fora. Para algum gari levar. Foi no exato dia do seu aniversário. Mas nada disso foi troco, eu realmente só preferi dormir. Então para de dizer que está com saudade de mim porque não dá nem para saber a que se refere a falta que você sente. Ou você sente saudade de quando eu morria em todo canto por sua causa ou você sente saudade de quando morria por mim. 


Comentários