Tardígrada

A primeira hesitação em escrever aqui foi ver que, esse ano, postei 24 textos. Exatos vinte e quatro antes deste. Não que eu só pudesse postar alguma coisa em 2016, mas algum órgão em mim dizia que "se for para dar certo (o que quero que dê), não ultrapasse esse número antes de dar". E digo "outro órgão" porque eu precisaria de um cérebro muito burro para ter esse tipo de transtorno. Não sei que órgão comanda todas as minhas crises incontroláveis, mas meu cérebro já declarou guerra perpétua a ele. 
Meu cérebro mandou eu vir escrever e deixar de besteira porque eu não sou doida. Que não sou adolescente para ter tumblr ou postar em qualquer rede social que sou bipolar. Ele me diz que isso é coisa de gente burra que não sabe ler, que não sabe o que é adoecer. E me lembra que eu sei o que é adoecer e que quando eu estiver doente de verdade não terei condições de postar em redes sociais sobre minha doença de forma alguma. Ele sente vergonha desse outro órgão que fica fingindo que sou doente. 
Porque eu não sou. 
Esse outro órgão diz que tudo vai dar errado porque minhas roupas estão bagunçadas, e desobedecendo meu cérebro, vou lá e arrumo. E no outro dia tá tudo uma bagunça. Meu cérebro diz que enquanto eu estiver viva, posso arrumar quantas vezes quiser. O estranho, porém, diz que isso é um reflexo da minha vida inteira: nada dá certo porque eu não deixo nada certo. 
Tati disse aqui que angústia humana é animalidade reprimida. E não lembro da última vez que algo fez tanto sentido. É como aquilo que você passou a vida inteira pensando e não conseguiu materializar o pensamento. Não que pensamentos sejam materializados, mas, às vezes, pensamos coisas tão abstratas que são impossíveis de descrever, aí, do nada, alguém vem e descreve perfeitamente. Ando pelas ruas pensando que ninguém mais pensa que é animal. E penso que as formigas andam em filas organizadas na maioria das vezes. Nós humanos, por outro lado, andamos no maior caos populacional que consigo imaginar. A maioria das sociedades das outras espécies animais têm algum tipo de organização exemplar. 
Qual é a nossa? 
Então pensei agora, nem tinha associado antes, que já que a humanidade inteira é desorganizada, meu quarto não é sinônimo dos meus fracassos. Aí penso que não sou a humanidade inteira, quer dizer, eu não sei que parte em mim pensa isso. Não sendo o mundo inteiro, não tenho o direito de ser desorganizada. 
Sou singular demais para ser justificada com o erro do mundo todo. 
O mesmo órgão que me culpa por tudo de errado que dá em minha vida é o mesmo que me singulariza a ponto da maior fé que eu deposito em alguém de carne e osso ser em mim mesma e isso dói, corta e eviscera porque eu devia ter um ponto de referência além de mim mesma porque isso é o maior ponto de egoísmo que já consegui pensar. E, nessa parte, sei que penso com o cérebro mesmo, porque ele diz: "você é ridiculamente egoísta, mas se assume isso, então tá tudo bem". 
Meu cérebro é meu melhor amigo, meu cérebro é meu pé no chão. 
Todo o medo, toda a angústia, todo o simbolismo, todas as promessas, toda crença invisível é dada por algo que não sei quem é e apesar de não poder abandonar isso, quero ser mais pensante e leve porque eu não sou doente. Não posso ser.
Uma tecla do meu teclado do notebook caiu. Na verdade, eu arranquei. Arranquei porque tinha um grão de poeira embaixo que não queria sair e brutalmente tirei fora o número quatro. Depois tirei o número sete para ver como colocava de volta. Não sei com que lógica. Coloquei o sete de volta. O quatro não. E acho que o mundo não me deixou colocar de volta para eu aprender que nada que existe é resolvido com brutalidade. Agora estou sem quatro e é horrível. 
É horrível que para cada coisa errada em minha vida, eu (será mesmo que sou eu?) ache um erro anterior (meu) e aponte como culpa. Eu não quero mais ser assim porque é cansativo. Cansativo como acordar cedo e ir para onde eu não quero ir. Cansativo como estar em uma vida e ter em mente apenas o futuro. Sendo que ele nem existe. E tenho medo, inclusive, de escrever aqui que ele "nem existe" e, de repente, por ter escrito, ele passar a nunca existir. Eu não gosto de ser assim. Talvez, muito talvez, seja doente. Mas ainda oro, para que, no maior caso, não seja, apenas esteja.





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