Residencial

Não consigo mais morar apenas em mim. Ando sabendo que abaixo dos meus pés não existe um chão seguro e que minhas paredes são simples ciclones. Simples para o conceito do que um ciclone significa. Quase nunca dá para respirar normalmente e nos intervalos que não permitem a completude de um nunca, o ar saudável é rarefeito. Tento lembrar, vez ou outra, o que eu fiz de tão anormal ou cruel por aí para ter como dívida a retirada diária do fígado, não consigo. E apesar de ter que dizer que isso é exagero (vai que eu não diga e isso passe a ser literal), o pior é quando ele não é arrancado. Os dias de carne limpa sem sangue dá a (errada) sensação de paz. E sensação falsa de paz é pior do que uma guerra em ação. Não consigo me sentir em casa mais em nenhum lugar do mundo. Aparentemente, nem em mim mesma. E eu não sei onde isso pode levar alguém, mas ainda ouço minha voz implorando a minha própria alma para não enlouquecer. E nem sei o motivo. Antes, eu sabia. Alguém doente mentalmente, não podia cuidar de outro na mesma condição. E eu queria tanto ajudar o mundo. E apesar de ainda achar que sei o que quero, ajudar o mundo é um conceito tão amplo que soa infantil e detonador. Um dia me disseram que não devo contar minhas dores a qualquer um, porque antes eu contava. E agora eu não sei se disseram ou jogaram um feitiço porque nem a mim consigo explicar que dor eterna é essa. Dor que não há origem específica. Nem destino. Não consigo morar em lugar nenhum e me expulso de todos os estabelecimentos físicos e emocionais e quanto mais saio, mais quero sair. Inclusive da vida. Inclusive até de mim. Mas por graça do destino há quem me mantenha, hoje, viva e em uma residência sentimental.


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