Catatônica

"[...]
Acordar ainda dói um pouco, não por nada, apenas porque simplesmente dói lembrar que continuamos sem saber ao certo o que significa tudo isso. [...] na fase do silêncio, lembro que sou feliz. É preciso guerra para haver paz… quem disse isso mesmo? 
Ben Harper é o escolhido do dia, ele toma café da manhã comigo. Já é quase meio-dia e eu estou calma, não preciso me preocupar com nada, não preciso ser legal com ninguém. Posso ler o jornal enquanto pego uma fatia de pão com os dedos sujos. 
Me dou broncas, me odeio, faço as pazes comigo cantando alto no chuveiro que inunda a casa inteira. Deixo a casa uma zona, estrago comida, permito que as flores morram, sujo o sofá de iogurte e assisto a um filme besta sem me preocupar com a opinião alheia. Aproveito ao máximo que estou distraída de mim mesma, daqui a pouco eu arrumo tudo minuciosamente, [...] faço contas e balanço a cabeça inconformada. Começo a achar que é difícil enjoar de mim, basta ser um pouco humano. 
Não sei não, mas algo me diz que me amo tanto, tanto, que prefiro não ligar o celular, a internet e prefiro também não espiar pela varanda. Fecho os olhos esticada e pelada na cama, por alguns segundos brinco que não sei meu nome. E acabo não sabendo mesmo. 
[...]
Tenho pesadelos de que não vou conseguir pagar minhas contas, mas como sou muito figura, acordo no dia seguinte e compro uma jaqueta de couro de quinhentos paus. Acho que, como eu acredito que o dinheiro nunca vai faltar, alguma magia do universo colabora e eu acabo sempre arrumando um freela aqui, um texto ali, um projeto lá. Sou rica de mundo e isso é tudo. 
Tenho aprendido coisas geniais como, por exemplo, que comprar uma cortina devia ser proibido para menores de 18 anos. Primeiro mandam você escolher um varão, depois você tem de decidir se este varão vai passar na prega-macho ou na prega-fêmea. Puta baixaria. 
Minha geladeira dá choque e eu me sinto muito independente quando tomo meus choques sozinha e não posso nem dividir um “caralho” com ninguém. Aliás, já faz um tempo que não divido nem um caralho nem um choque com ninguém. Foda-se, enquanto isso encho o rabo de bolacha goiabinha e leio sem parar outros solitários. 
[...] 
 A idade te deixa mais chata e diminui muito as suas chances de se dar bem. Mas pelo menos agora eu sei que, quando uma coisa é boa, ela é boa mesmo. 
Hoje de manhã eu acordei e fiquei olhando para tudo catatônica, um misto de susto com deslumbramento. Me dei conta de que essa é a pior e a melhor fase da minha vida. Eu nunca andei tão triste e nem tão feliz. Foi difícil enterrar tantos mortos e tantas rotinas, mas está sendo muito fácil viver dentro de mim. "


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