Saprotrofia

Não há como me alcançar. Não há como correr descalço nesse chão infestado de fungos e bactérias sem conter resistência natural. Estou vendada, mas quem não consegue me ver é você. Meredith disse que, às vezes, é melhor estar no escuro porque mesmo que exista medo, também existe esperança. O sol realmente me castiga, mas não processei isso totalmente para saber se assino embaixo deste pensamento dela. Não vai ter como passar mesmo que não exista porta. Nem prece que eu ouça. Nem mágica que me puxe. Não nesta hora. Não nestes minutos. A forma ativa natural de imunização é a doença. E nem todos estão dispostos a adoecer. Não que eu seja heroína e tenha escolhido ficar. Se bem que escolhi. Como alguém que escolhe um produto sem abrir. Como todo mundo compra qualquer coisa. Eu achava que ficar triste era bom. E comprei. E depois não tive como vender, tive que consumir. "Cuidado com o que deseja". As coisas chegam. Mas agora eu piso onde você não pisa. E eu já estive aí onde você está, mas você, como sempre, e como também agora, estava mais atrás. Esperando sua chegada. Que só chegou depois da minha ida. E você que não é você sabe que nunca esperei. Que nunca cogitei chegar no local de espera. Se não sabe, finge não saber. E por isso se acorrenta no local. Não que pudesse, ao contrário do você, vir até mim. Porque quem podia, estava no local certo e assim permanece. Queria ser Bernardi e falar de peito firme sobre o cotidiano além do meu ou sobre deitar numa rede com o meu príncipe e descrever a brutal vontade de estar ali por décadas, mas não sei falar sobre as coisas bonitas. Talvez eu faça um curso para isso um dia. Talvez dê certo. Ou talvez o desejo se realize e eu possa ficar décadas deitada sem precisar digitar uma vírgula. E esquecer de que, às vezes, é tão bom que parece que não mereço. Só por não ter textos longos e venenosos para fazer. Fazendo saber que meses sendo bactéria acabaram. E porque acabaram parecem não ter sentido. Mas ainda dá para lembrar de que prefiro não voltar. Ou lembrar de que eu mereço, sim, estar andando sem medo sobre micorrizas e sobre a pura decomposição que outrora fora a minha. 


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