Loop

Queria ter a venda que algumas pessoas usam para preferir discutir sobre um canal de televisão tendencioso à gravidade de uma doença crônica. Queria ter a capacidade de passar, hoje, o dia inteiro trancada dentro do quarto, deitada em cima de uma cama, perguntando, até às vinte e três e cinquenta e nove porque o corretor me odeia. E recomeçar às zero zero e zero zero do dia seguinte. Será que ele me conhece? Será que é um da lista dos que me bloqueou no facebook? Tanta gente me odeia que eu podia odiar também, mas não tenho mais esse dom. Que, às vezes, queria ter também. Queria entender, também, o que está acontecendo com minhas redações. Quanto mais a gente (no caso, eu) treina, pior fica? Ou será que é só outro corretor que me odeia? Queria reservar um tempo da tarde de hoje para agradecer ao universo por ter ido tão bem no estudo da vida. Queria justificar minha solidão graças à mensagem não respondida de ontem. O que retoma o ano passado inteiro. O que me faz não ter tudo que eu "queria" ali em cima. E o que remonta minha chegada até aqui, onde eu não vou deixar minhas pernas demorarem tempo demais no chão porque acho que foi Alex que disse que pra cair é um segundo, mas, para levantar, uma eternidade. E eu não tenho essa eternidade da lamentação. E se a eternidade que me derem for apenas de tentativas, serão feitas com todos os meus órgãos. Já tá na hora de sair ao sol. E eu odeio isso. Já tomei meu café, minhas pálpebras estão sem tilt. Tá tudo bem, eu estou respirando. E comendo. E andando. Tento lembrar que até Bernardi tem manhãs horríveis. E noites. E todo mundo. E que o mundo não é tão egoísta a ponto de fazer chover só em cima de mim. E que, se por acaso ele for, eu deveria agradecer, também, por ser tão notável a ponto de colocarem uma nuvem só em cima de mim. Ou cinquenta nuvens. E que, como T.B. disse, "a vida é uma montanha russa e daqui a pouco sobe de novo"... É só um loop. São só mil loops. Calma que passa. Quer dizer, não se acalma, se não: passa. Dá medo quando desce, parece que estão fazendo cócegas na nossa barriga, só que por dentro. Mas quando a descida acaba, a gente nota que foi a melhor parte. A parte mais esperada é a agonia de descer. E a gente reclama quando tá descendo. Isso é ser humano. Não que eu queira. Porém, não que eu tenha outra opção. E tudo tem um lado bom. Tudo que é particular, pelo menos. Aí posso ver o seriado que estava me animando. Assistir me faz não pensar. Descobri isso em 2006. Ou você pensa ou assiste. E aí, quando a cena está besta, eu penso. E fico melancólica. Por estar assistindo. E abro o livro. Que também me faz não pensar. Mas as vezes não dá para não pensar. Aí tenho que reler o parágrafo pela nona vez. Não entender novamente e me perguntar o motivo de estar lendo aquilo no lugar de fórmulas para agradar um corretor. Que não conheço, mas que parece me conhecer. E ter perdido o amor da sua vida para mim. Vai ver, for isso. Aí resolvo alongar meu corpo. Que está travando por eu nunca mais ter o esticado. E aí dói. E desisto também. E volto a ver seriado. E coloco dublado para poder fechar os olhos e imaginar que estou dentro dele. Ou na calçada dele (do seriado). E não ter medo de dormir. E aí, se o sono chegar, eu só preciso baixar a tela e não deixar o sono ir. Mas não dá para acordar feliz tendo que admitir que não é porque você resolveu tratar bem a vida que ela vai te tratar bem todos os dias. Embora dê para ser feliz. Em algum órgão deve ter espaço. Deve ter, sim.


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