Desorganização sensorial

Sei que digo que só posso adoecer em uma das três competências. E sei que chorei. Sei, também, que foi não foi pouco. Mas isso não significa que foi muito. Sei que tá cedo. Sei que acho que tá tarde. Que todos os dias eu acordo achando que tá tarde demais. Mesmo quando acordo antes das seis. E de tanto achar que tá tarde, ainda não sei como tem espaço para esse achismo todo. Que tão tarde é esse que ainda não acabou? É de total entendimento da minha cabeça que eu posso estar com uma esperança muda, guardada, escondida, surda, doente, autista e cega que não sabe que é minha e que eu finjo não saber que só estou sendo dela. A realidade devia estar sendo um caminhão de lixo. Porque estamos em dezembro. E eu devia estar no centro. No centro das sacolas rasgadas e trituradas. Mas a realidade é isso. E eu, estou lá. A grande interrogação é que eu não estou sendo eu. E talvez exatamente por ser dezembro. Porque, na verdade, eu odeio janeiro. E parece que a vida, de tanto ouvir isso de mim, entendeu. E me tirou de mim. Não como das outras vezes. Para uma inundação de tristeza. Como, agora, de nenhuma vez. Mas como eu disse, vai ver é porque tô doente. Estou doendo fisicamente. O que parece ser melhor porque a gente tem certeza que doença passa. Ou mata. Ou é controlada. Já o emocional, não. Ninguém doente de tristeza consegue imaginar que passa ou que controla ou que acaba ou que se acaba. "Toda loucura é demorada porque ela mesma ignora ser substituída." Mas, apesar de saber que em dois dias eu posso morrer exatamente igual antes, só que pior, porque, nessa, há a soma das anteriores, ainda consigo ficar de pé e sem a mínima vontade de chorar. Como se a esperança autista em mim tivesse para além da luz da vida, a esperança de uma morte calada também. Sem espetáculos. E eu devia estar surtando agora, mas eu só consigo ficar quieta. Para meu corpo não quebrar. Porque parece que preciso ficar inteira. Para o quê, não sei.

Comentários