Osteoclastos

Soube que tinha melhorado da primeira vez quando consegui comer milho e ervilha. Tinha tirado a pessoa que atravessava minha faringe e não deixava algumas coisas passarem. As citadas, principalmente. Não são metáforas. São realmente os grãozinhos verdes e amarelos. Não estou dizendo que a pessoa era minúscula como um grão que a gente coloca em qualquer canto sem muita função. 
Embora não deixe de ser. 
Da sua vez, eu soube que passou quando vi fotos sua com sua namorada e minha caixa torácica não quis explodir. Meu amigo disse que só vai ter certeza quando me ver comer esfiha de calabresa. Para mim, também não deixa de ser a cereja do bolo confeitado de não-quero-mais-pronto-passou. Engraçado que quando eu lembro das manhãs em que eu acordava sufocada, nada. 
Não acho nada. 
Muito menos engraçado. 
Só queria colocar aqui que eu tinha dias iniciados assim. 
Coloquei. 
Tudo era você. A calçada, a rua, os estranhos, o choro, a dor, agonia, pesadelo, sonho, unha, esmalte, blusa, eu. Mas eu sabia que não era para ser. Tanto que eu me dizia baixinho, no meio do espetáculo de criança (eu era a criança) que bate o pé querendo algo: 
"não vai ter". 
E-pronto-acabou. 
Não quero mais isso de morrer por meses por alguém. Sei que tá chato de repetição, mas azar nosso que tenhamos que lidar com a chatice. Tá tudo bem comigo. Contigo. O nós morreu. O luto passou. E é isso. Todo sábado, sinto aquele frio na barriga quando vou ver quem vejo e todos os dias da semana durmo sem o peso que eu tinha quando não conseguia me desculpar. Sem a agonia louca de achar que eu podia fazer uma mágica para você voltar. 
Você não ia. 
Não quero nada por um tempo enorme. E talvez por isso eu tenha. Não quero temer perder. E talvez por isso eu ache todos os dias. Sacudi a cama, troquei os lençóis, travesseiros, limpei tudo. E assim com a vida. Tenho um abismo de maravilhas no meio do quarto, que não ouso pular, já coloquei a cadeira na ponta, uma corda que me amarra a um local lá atrás bem seguro para o caso de uma erosão, óculos para a claridade, protetor para os raios, roupas adequadas, meu bom senso e toda minha boa vontade. Eu deixo minhas células funcionarem para o cansaço alheio que combina com o meu. 
Se essa não era a hora certa de eu encontrar o que sempre desenhei, tornou-se. 
E tornou-se por ser a mais errada possível. 
Em derivação das fraturas do nosso acidente.


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