Hematose

Até ontem eu me proibia de fazer promessas por saber que elas só existem com um objetivo: quebrarem-se. E dói, corrói, te arrasta no asfalto no meio-dia do sertão. Promessa serve para isso. E só. E, por isso, eu andava no meio delas como quem tem medo de pisar em ovos, mas parei. E parei porque nem todas são feitas de palavras audíveis. Algumas, em banais posições, em locais bestas, como a calçada da minha casa, são feitas em três segundos de silêncio, no primeiro curvar dos lábios em um sorriso, no terceiro segundo de um abraço, na força de um aperto de mão que te salva de atravessar uma rua ou sinaliza que você não está só. E se a gente faz promessa o tempo inteiro, eu não tenho como fugir disso. 
Você tem força e sabe andar nas próprias pernas. No caso da minha vontade, alucinada e frenética, me impulsionar a jogar o planeta para cima, você não vai assistir calado e sorrindo, vai levantar e dizer que não sou mais criança e elevar a voz se for preciso isso para cessar meu surto. Eu não preciso de um responsável para assinar todos os meus passeios, mas preciso muito, muito, muito menos de uma criança para me responsabilizar. E você não parece ser nenhum, embora tenha algumas perturbações. Mas ainda bem que tem um "embora" porque se não tivesse, como eu poderia saber ser real?
Basta de doença. Basta de acharem que estou doente quando não estou ou verem saúde nos meus túmulos. Desisto de gente fingindo ser cega. Continuo sendo imensamente chata por preferir não ouvir o que não me acrescenta e ainda controlar meus ciclos vitais em prol de mim mesma. É tão problemático assim gente que vive, em primeira instância, direcionado a si mesmo? Não quero concordar com quem assina isso porque não faz nenhum sentido viver apenas em função alheia. Não enxergo nem caminhos para. Basta, também, de achar que relacionar-se é um tipo de inferno ou céu aurífero.
Congelei o trânsito da Times Square. Exatamente onde morri um dia. Sem a menor vontade de olhar para algum motorista ou pedestre imóvel, sentei no meio do nada para, fazer, quem sabe, entre mil livros, uma trança na bela e maravilhosa cor dos meus cabelos. Mas você não estava no cenário. Em local nenhum da América. De cima a baixo, nenhum. E é claro que eu notaria a única coisa em movimento e é claro que eu poderia morar no seu cabelo. Obviamente, eu, que detesto barbas, ia abrir meu coração para a sua. E isso tudo só pode ser muito óbvio porque se não existisse agonia anterior, dilúvio, atropelamento e todo um caos que ninguém gosta, que ninguém gostou, nada disso existiria. E isso só é tão óbvio porque ou o seu conjunto me ganharia completamente diariamente ou nada. Ou imensamente nada.
Eu não uso batom, que pena. Não posso usar brincos e, para completar, esqueço de usar o que posso. Mas não tenho a mínima vontade de aparecer, por isso uso roupas que cada vez mais me fazem sumir. Tenho uma necessidade infinita de sumir. Mas, de vez em quando, tenho a de que alguém me ache mesmo que eu, de verdade, não queira. Mesmo que, de verdade, eu nem lembre que quero. Começa a perdoar esse gelo e pode bater com força nele de vez em quando só para eu saber que você tá vivo e que eu não estou vivendo sozinha.
Não tem nenhum problema se você quiser ir embora, eu até posso te levar. Mas não tem, também, problema nenhum em eu te prometer que tudo de melhor que eu puder ser, serei. E quando a promessa acabar, eu ainda prometo suturar qualquer estrago feito por mim. Eu nunca fui assim por estar sempre ocupada demais com algum tipo de cálculo que me fizesse ter o controle em mãos. Mas queimei. Não tem mais controle aqui porque ninguém é jogo de ninguém. E isso soa falso pra caramba, mas consigo sentir a firmeza toda vez que lembro que posso dormir e acordar com ou sem a gente. Isso me faz notar que eu ainda sou eu. Aliás, que eu, finalmente, estou sendo eu. Caso vá embora agora, demore mais ou nunca mais vá, obrigada porque, em qualquer caso, você encontrou o que ninguém procurou.


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