Um horizonte trêmulo

Eu poderia escrever sobre o charme do professor de eletrostática ou calcular quantas vezes o de fisiologia me encarou ontem. Ou sobre a saudade que sinto do meu cachorro. Ou sobre minha melhor amiga do mundo ter voltado a falar comigo após tanto tempo e me dado a entender, por fim das forças, que nunca mais sentaremos na calçada por horas e horas olhando as pessoas, o céu, chorando por ser dependente emocionalmente, ensinando-a a correr riscos, correndo riscos, brincando com minhas caspas (eu, não ela) e me sentindo incrivelmente bem a ponto de repetir inúmeras vezes o assento e a companhia.
Poderia falar da ansiedade em ver minha irmã. Da ansiedade de fazer mais provas e mais ainda da de passar ou da de não passar e ter que ficar ansiosa de novo por outras provas. E do dia que minha vida vai passar a ser vida. E do quanto isso soa exagerado já que não estou morta e, notavelmente, já nasci. 
Poderia falar do quanto estou feliz com minhas ações. Que tenho praticado exercícios físicos como mandam as boas regras. Que tenho seguido as placas de "não fume", "não corra" e "não morra" na ordem citada e não na da música. 
Poderia falar que descobri, mais uma vez, que não gosto de você e pareço ter esquecido disso em alguns dias dos últimos meses, mas você sabia e descobriu lá atrás, ano passado e, embora eu saiba exatamente o dia, não vou escrever porque não quero te machucar caso você leia porque não quero que você descubra que o "você" é você. E, se agora está achando que é, lembre-se de quantas pessoas eu deixei de gostar dentro do ano passado e finja que não é você. Embora eu já tenha te dito que não estou tão presente quanto você acha que estou. De qualquer forma, eu não vou falar sobre você, mesmo que eu possa. Não quero. 
Nem sobre o outro você porque ontem, antes de dormir, me prometi não escrever sobre essa minha demência que é você até o final do ano. Porque você é mais minha cabeça do que você mesmo. Tudo que eu pensei e me apeguei foi o que estava em mim, não em você. Sei lá onde você estava, aliás. Nunca aqui nos 150 dias e 150 noites que precisei que estivesse. Que bom! Esse é o principal motivo de eu não falar sobre você agora. Deveria ser a promessa, lógico, mas eu detesto promessas, ainda mais quando é em relação a alguém que as quebrou antes de mim. Mas não pense que o você é você porque talvez não seja. 
Eu poderia escrever sobre você, mas prefiro que seja sobre mim. 
Poderia escrever sobre ter conhecido alguém que escreve certo, que me faz rir no tom certo da inteligência irônica, que tem a beleza do ator principal do meu cinema mental, antes de todas essas melhores coisas, não que precisasse, mas que eu não ouso recusar. 
E que, descobri, por fim das forças, que todo mundo é substituível. 
Até você. 
Poderia escrever, mas já o fiz.


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