O que é que nós vemos? O que queremos ver? O que nos é
permitido ver?
Cada par de olhos dos bilhões existentes nesse planeta
enquadra uma realidade diferente. Pode até ser que existam, de fato, realidades
distintas como consta em algumas teorias sobre realidades paralelas, porém,
para o caso delas serem apenas teorias mesmo, existem os olhares: os universos
particulares.
Dentro de uma sala de aula, por exemplo, ao analisar
um debate é possível detectar diversas opiniões, isso se deve a capacidade de
cada indivíduo partir de uma base diferente de crenças, ideologias, estruturas,
costumes, famílias e tudo, ou alguma coisa, que o diferencie dos demais. Mas
apontar a subjetividade de opiniões não é uma novidade, entretanto, estamos falando
do olhar, da observação, não de conclusões.
Explicando melhor, ao sermos apresentados pela
primeira vez a uma questão x, não vamos partir do zero para analisá-la mesmo
que aquela questão nunca tenha sido, nem de longe, imaginada por nós. Alguma
coisa irá nos influenciar, seja um sonho, seja uma crença ou um copo na nossa
cozinha. E isso acontece, porque, como na maioria dos casos de qualquer
situação, só existe uma primeira vez. Nossos olhos só abrem-se pela primeira
vez uma vez: quando nascemos. Daí em diante, a contagem começa e todo o
posterior é só absorção.
O que é ver?
Com tantas obrigações (escola, casamento, formação
acadêmica ou profissional, filhos, cachorros ou plantas), não temos tempo (ou
"podemos" usar isso como desculpa) para tentar entender o que
significa ver.
Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:
1. Exercer
o sentido da vista sobre. 2. Olhar para. 3. Presenciar, assistir a. 4. Avistar;
enxergar. 5. Encontrar, achar, reconhecer. 6. Observar, notar, advertir. 7.
Reparar, tomar cuidado em. 8. Imaginar,
fantasiar. 9. Calcular, supor; ponderar, inferir, deduzir. 10. Prever. 11.
Visitar. 12. Escolher. 13. Percorrer. 14. Provar. 15. Conhecer.
Ao assistirmos a um telejornal, por exemplo, não damos
intervalo ao fim de cada notícia a fim de interpretá-la e tentar entender o que
nos foi passado. Apenas vemos. Sem ver. Não sabemos mais ver. Assistimos sem
ver e sem perceber.
Achamos, ainda, que sabemos o que é ver, que, caso
quiséssemos, poderíamos, mas jamais, ou quase nunca, afirmamos que estamos
incapazes, que não nos exercitamos nem em nos olharmos de fora. Quantos, dos
bilhões, questionam se quem está fora de ar é a tv, o mundo, ou nós mesmos?
Quem teria tempo para fazê-lo?
Os olhos interiores
De toda essa absorção, algumas coisas em nós vão sendo
criadas. Ao ler um livro, conseguimos, em meio a tantas letras, criar rostos,
sons, movimentos... E por quê? Que olhos são esses que nos permite ver cenas
que não estão em nossa frente? É isso que nossa incalculável absorção pode, em
meio a muito mais, nos proporcionar. E, quanto mais lemos, ouvimos ou absorvemos
maior fica a nossa capacidade de "ver".
Opiniões e ângulos
Se tudo, então, já tem uma base e uma direção quase
apontada, todas as nossas conversas, textos, discursos e posições não são nem
de longe objetivas. Até porque não somos títulos, não nos resumimos em fatos
crus, não somos manchetes, temos posições diferentes, consequentemente, existem
vários ângulos para vários olhares... Felizes são aqueles que encontram-se
dispostos a mudarem de posição caso algo ou alguém os convença, pois se existem
tantas posições para análises, por consequência, existem várias
"verdades" e, se existem tantas verdades por que seria a minha, ou a
sua, a única válida?
Mais felizes ainda são aqueles que ainda não formaram
uma opinião sólida, e não por inexperiência, mas por saber que é opção demais,
renúncia demais, para escolha de menos.
A falta e o excesso
Deve ser impossível, mas caso possível, é, no mínimo,
difícil, sentir falta do que nunca se teve. Um exemplo é o meu irmão de três
anos que sempre me mostrou as cores, os carros, as letras e os números até não
conseguir distinguir um barco no mar e ser levado ao oftalmologista. Dezesseis
graus. É agora o que ele usa. E não por erro médico, pois foram três
especialistas diferentes. Ele veria de uma forma deficiente por sabe-se lá
quanto tempo e sem reclamar porque ele não tinha tido uma visão boa, então, não
saberia diferenciar a boa da ruim, ou seja, ele não sentiria falta da nitidez
porque nunca a tinha tido.
E quando temos muito? Às vezes, temos tanto que não
sabemos o que fazer, o que olhar. O que é que queremos ver? Como podemos saber
se nem conhecemos, sequer podemos, todas as opções? Será que nós, no mínimo,
sabemos o que vemos?
Texto análise do filme Janela da Alma(2001) de João
Jardim e Walter Carvalho
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