Mais de um ano depois dos dois anos: outro ano, sem chuva, alguma eu

Queria já poder abrir um tórax e tirar seu coração sem te matar, só pra cuidar dele direito por algum tempo, em algum lugar longe o suficiente daqui.
A gente deveria ir para um lugar longe de nós mesmos.
Queria ter cuidado melhor de você três noites atrás, mas se eu tivesse feito isso, agora estaria escrevendo que eu não deveria ter feito isso.
Queria que você soubesse abrir minhas costas e pudesse jogar minha coluna no lixo porque faz horas que estou sentada esperando você voltar de sabe-se lá onde e meu esqueleto está reclamando. Não quero ter alguma responsabilidade de sair pela porta de madrugada e te procurar nos infernos das esquinas dessa cidade. Já está de madrugada e eu não consigo andar de madrugada pelas ruas.
Não consigo sem você.
Hoje, de novo, eu espero que você bata na minha porta, ou que quebre ela, arranque-a ou qualquer coisa que te faça se materializar por aqui, mas difere de novo porque hoje nem chuva tem. Eu não queria ter que me responsabilizar por nada esses dias, por isso me desliguei e deixei que a automação me guiasse, mas você não deixa eu fazer isso. Parece que acha bonito que eu seja controlada por mim mesma a cada milímetro.
Você não sabe o que quer.
E todo mundo sabe o que eu quero.
Todo mundo sabe que eu quero o que eu mesma joguei fora um dia.
E talvez eu já tenha me convencido que tudo bem se eu joguei, tudo bem se eu vacilei e quebrei as pernas, os braços e a cara no sabão que eu mesma joguei no chão. Tudo bem porque todo mundo se fere alguma hora.  Ficar rolando em um chão escorregadio não vai me salvar de nada e nem nada de nada, mas isso não significa que eu esteja pronta para abrir seu tórax metaforicamente. Você também não pode cuidar da minha coluna por ter a coluna de outra pessoa para cuidar. Então, o que está acontecendo? Por que não podemos apenas deitar em uma superfície plana o suficiente para que minha dor passasse e pudéssemos ver a droga do céu que a gente nem lembra que existe?
Não podemos ser normais? Uma relação sem atritos? Você é tão importante na minha vida, mas pra continuar nela é realmente necessário que alguém quebre algum osso?
Agora eu vou concordar que não sou mesmo tão simples porque se você ousar responder que "sim", que podemos ser normais, nem meus metacarpos ficariam intactos.
É, talvez eu não seja, nem de muito longe, simples.
Então, desculpa.
Mas pelo quê, não é? Somos duas complicações ambulantes. Complexidade deve ser o seu sobrenome que você esqueceu de me dizer há dois anos, nesse mesmo mês, quando começou a fazer que eu ficasse. Foi assim que nos conhecemos, você me fazendo permanecer.
Você sempre vai me fazer ficar, mas não esqueça que eu nem iria aparecer se a minha intenção inicial não fosse realmente ficar.
Por que você resolveu dificultar as coisas para mim quando eu me enfiei em um lugar que já nem cabia a palavra "facilidade"?
Não acredito que alguém vai se machucar quando eu nem terminei de me suturar.
Desse jeito, não vou poder cuidar de nenhum arranhão seu.
E se for a minha cara que vai arrastar de novo nesse chão, a vida só pode estar de brincadeira.


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