Laissez-faire

Sei fazer um ótimo arroz. Tão maravilhoso que antes de comer, encaro cada grão me perguntando como sei fazer tão bem aquilo. Fiz para uma amiga, há alguns dias. No meio do arroz, perguntei se ela conseguia me imaginar casada com alguém. Não consegue. Ultimamente, tenho falado tanto em casamento que não sei mais nem o que isso significa. E acho que não quero saber. Fiquei triste por ela não me imaginar com alguém porque embora eu também não imagine, é meio esquisito que outras pessoas concordem que eu só sou completa sozinha. Deu vontade de sair correndo no meio da rua e pedir alguém em casamento. Mentira. Não deu vontade de nada. 
Não estou conseguindo escrever esse texto porque tem um monstro gigante ao meu lado. Rosa, peludo e macio. Estamos brincando de jogo da velha. Ele é maior que eu, como a maioria das coisas, pessoas e tudo. A maior parte do que existe no mundo é maior que eu. Ele (o monstro) vai querer cuidar dos meus pés, da minha visão, mãos e eu não queria querer ser controlada, mas... Eu não consigo escrever esse texto porque dois metros de altura rosa estão dizendo que têm quase certeza que vão voltar a morar comigo. Estou emocionadinha. 
Como eu poderia me negar a ter paz? Que graça tem em ver sentido nas músicas e nos filmes para o resto dos tempos? Nem tudo tem sentido. E, sim, a gente faz uma porção de coisas só por fazer. E é normal, sim. A anormalidade das situações são geradas pela nossa própria dança descontrolada. A gente dança em ritmo de epilepsia sem música nenhuma e enfia na cabeça que estamos no meio de um terremoto. Nós somos engraçados, nós somos uma gracinha. 
Não estou entendendo nada, mas dá pra notar que algumas coisas eu sei fazer tão bem quanto a besteira de um arroz. Não faço ideia de como consigo ser tão expert em dizer "tchau" sem a menor cócega na unha. Mas consigo quando seguro na mão dessa criatura tão gigante que não passa de mim mesma. 
Eu não sei se as coisas voltaram ao normal, mas sei que o barulho parou e também a agonia. E o fato de não conseguir escrever sempre será o melhor sinal de que estou bem, por mais incoerente que isso seja, já que o texto já está ficando longo. E a parte mais bonitinha é que fui me buscar lá em Mercúrio e agora estamos todas nós aqui e hoje eu não tenho nem vontade de dormir de tão bem que me sinto por estar completa depois de tanto tempo. Parece que prendi a respiração por meses e, de repente, da noite para a mesma noite, estamos aqui respirando. Sem precisar quebrar alguém, sem precisar montar alguém. 
Deixo que tanta loucura barata me engula porque elas são caras para mim. Talvez eu tenha problemas reais na epífise, mas deixei que alguém me ditasse que eu preciso acordar cedo todos os dias, aí, se não acordo, passo o resto do dia me sentindo um lixo. E tudo isso porque alguém disse que eu seria um lixo se eu acordasse tarde. Sou uma gracinha influenciada pelo papai. Linda! Deixei também que eu acreditasse que tenho uma atmosfera sombria cheia de chumbo. Isso porque outro alguém disse. E penso nessas coisas todos os dias, achando que acredito em homens doidos que não fizeram biópsia da minha epífise ou da parte frontal da minha cabeça. Parou pra pensar que talvez eu seja agressiva por ter um problema na parte anterior da cabeça? Não, nem quer saber, só diz. E eu, como uma pata doida, acredito. E depois paro.
Depois quando? Depois agora? Será que eu parei agora? Cadê o caminhão que eu tinha engolido? Mas que loucura, hein, meninos? 
Meninas, não vão embora pela manhã, abram suas malas, a casa é nossa e de mais ninguém por um tempo enorme, a gente garante. Ou, pelo menos, tenta.



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