Frigideira mental

"O sinal vai fechar de novo e os carros não andam!" "Não vai." "Vou mudar de fila outra vez." "Lei de Murphy." 
Parei de ouvir o resto, parei de ver a claridade refletindo no asfalto e fritando meus olhos, parei de enjoar com o ar-condicionado embaixo de um sol de matar. Por que ligam um ar gelado dentro de máquinas quadradas, fechadas embaixo de um sol de morrer? Isso frita o estômago. Mas parei a cena inteira para me sentir bem por uma hora dentro de dois segundos. Porque um segundo é bom, mas não cabe uma hora.
Tenho me sentido muita burra ultimamente, como se eu não soubesse mais pensar. Na verdade, como se eu não quisesse saber. Como se existisse uma porta que nem trancada de chave está, que nem fechadura tem, que só existe para ser empurrada sem muito esforço e que passar por ela possibilita o pensamento e eu não sinto preguiça de ir, talvez seja medo ou tenha desistido de ficar morando depois dela, então, eu não tenho pensado em nada. Não passo da porta. 
Não sei reagir, não sei responder, nem sentir. E eu me sinto bem por não ter dores pelo meu corpo, embora ele tenha umas vinte e quatro manchas roxas de sabe-se lá o quê. E bem por nada. Não tenho nenhum motivo para me sentir bem, só me sinto por não sentir. 
Tem uma mochila de coisas legais e interessantes que eu quero entregar a alguém que não quer receber, mas nos últimos dias ficou impossível lembrar onde deixei ela e existem pessoas aparecendo querendo receber coisas legais e interessantes e eu deveria doar as coisas que você não quer e parece que nunca vai querer. Mas nem tenho você e agora nem tenho a mochila. Assim, pareço um manequim de vitrine perto dos outros.
Parece que eu comi um pedaço de vazio. Ou que levei um soco da sua ausência. Ou que nada, parece que não aconteceu nada e que me tornei parte do que acontece: nada. 
Tem alguém de joelhos à minha frente com um livro de promessas de coisas boas e mentalmente confortáveis. Isso, no mínimo, me joga dez galáxias ao leste. 
Tem outro sorrindo do outro lado da mesa achando que tem mais de mim do que de fato tem. Isso não me move, mas massageia meu sistema nervoso. No entanto, ele tem um alarme que toca a cada meia hora para que eu não exceda o tempo de permanência. 
E existe alguém que puxou minha cabeça com força e encostou no peito e eu posso ouvir perfeitamente que o coração desse alguém não bate por mim e que ainda sussurra que sabe da minha reciprocidade. Vou deixar minha cabeça por aqui, talvez assim eu esqueça que fingi que perdi uma mochila e quem sabe, também, do ator principal dessa minha loucurinha, que tem uma dança estranha, a qual, ultimamente, eu só tenho observado sem aplaudir, sem querer ir dançar também porque eu não sei mais reagir, porque eu não sei mais pensar, porque eu estou me sentindo bem em me sentir burra. 
"Que calor, desliga esse ar."



Comentários

  1. Vou te dar uma passagem pra europa, pra voce sair de férias.

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