Epifania literária

A literatura tem a capacidade de transfigurar a realidade. Dessa forma, ela pode se apresentar "apenas" como beleza estética para alguns ao mesmo tempo que, para outros, pode ser símbolo de uma dor complexa. 
"Oh, pedaço de mim.
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu" 
Nos versos de Chico Buarque, a maior parte de nós conseguimos detectar a presença de uma estrutura merecedora de admiração. Certa vez, uma mulher, professora do ensino básico de alguma cidade do nosso país perdeu o filho de 10 anos em um acidente de trânsito e, desde o acontecimento, tornou-se incapaz de organizar o quarto dele, ou mesmo permitir que alguém o fizesse. Ela, portanto, talvez não consiga detectar o mesmo que você foi capaz. Desnecessário explicar o porquê.
A verossimilhança, característica literária, não tem objetivo de projeção da realidade, mas, sim, de aproximação, podendo, assim, ser dividida em duas partes. A primeira é a verossimilhança interna, que consta na coerência textual. E entendamos texto em um sentido bem mais amplo que o conjunto de palavras escritas, onde possa abrigar a noção de qualquer enunciado que transmita informação. Portanto, qualquer tipo de enunciação que esteja desprovida de sentidos significativos não possuirá a parte interna da verossimilhança. A segunda parte, a externa, é definida como o apego ao real. Se assistimos a algum programa de TV (novela, filme...) e percebemos que aquilo foge dos padrões da realidade, concluímos, pois, a carência de verossimilhança externa.
Catarse é a expansão emocional pela obra. O momento em que nossos sentimentos reprimidos são liberados com algum ponto do texto podendo ser encontrado, ou não, no clímax.
Nem toda obra tem nossa apreciação por ser bela. Quando a arte se sobrepõe à estética e atinge algum ponto inerente ao leitor, ela passa a estar acima da proximidade com o real e vira característica simbólica de sensações cruas.
"Laiá Laiá
Eu vou festejar
Vou festejar
O teu sofrer
O teu penar"
Cantar a letra de Jorge Aragão com a voz de Beth Carvalho em marchinhas de carnaval, abraçando os amigos, em meio a sorrisos e dancinhas engraçadas é completamente normal. O que tem de normal em festejar o sofrer alheio? A dor alheia é linda, poética, doce. A dor alheia é maravilhosa por não ser nossa.




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