Diástole

Uma vez me disseram que uma dor muito grande anula outra. 
Há alguns meses minha mão foi decepada e tenho andado com ela pendurada por aí, até que, do nada, você bateu em minha porta de novo e eu te deixei entrar.
Fazia tempo que você não batia, mas entendo totalmente que talvez seja muito difícil bater em uma porta que foi pintada com tinta invisível. E também que eu nem abria quando você batia enquanto ela era visível. Entendo totalmente que algumas coisas nos cansam, e que é muito fácil desistir daquilo que não se pretende querer para o resto da vida. 
Entendo completamente. 
Mas, então, você entrou e notou minha mão suspensa e riu da minha cara por eu ter deixado ela ficar naquele estado. E, então, pela primeira vez em meses, eu ri de verdade de mim mesma por ter permitido que alguém rompesse meus tecidos. 
E rimos juntos, com copos, para comemorar o riso do choro. 
E, também pela primeira vez em meses, eu parecia ter a mão no lugar. Não como se ela nunca tivesse sido cortada, mas como se alguém tivesse achado a única linha capaz de costurá-la. E não como se nunca tivesse doído, mas como se eu já pudesse usá-la. 
Pela primeira vez em muitos meses, consegui andar por ruas escuras e desertas sem achar que alguém podia me machucar e tudo isso por estar perto de você. É estranho que eu não sinta isso com quase ninguém. Aliás, não lembro de sentir essa segurança perto de alguém que não você. Como se você curasse além do estrago do meu pulso, toda a minha loucura e o meu medo. Como se ao seu lado fosse o único lugar a salvo no mundo. 
Mas todas as vezes que eu saio de perto de você, minha mão sai do lugar de novo. E deve ser injusto com o mundo inteiro ficar perto de ti só para ter uma mão. Sem mencionar que ainda corro o risco de que você use seu metal cortante a qualquer hora no meu outro pulso. 
Quanto mais eu permaneço, mais eu te dou essa oportunidade. 
Até ontem eu tinha preferido não pensar, não decidir, não me manifestar, não fazer nenhum tipo de movimento em relação a nós, mas aí, essa noite você curou minha mão totalmente por horas e eu notei que se eu não sair hoje disso, amanhã eu não consigo mais. 
Vou optar por esperar mais um infinito para nos cruzarmos. Onde você possa entrar com todo o você e eu com toda eu, para que possamos ser justos um com o outro porque eu não acho que a gente mereça menos que isso. Obrigada por me dar, pela primeira vez em muitos meses, uma boa semana. Mais uma vez "até mais", com a chance de que não visitemos pela terceira vez o infinito em uma só vida.

"Desde cedo aprendemos que retas paralelas são aquelas que não se encontram nunca. Bom, nunca é um exagero aqui – [...] Alguns de nós, mais tarde, descobrimos com deslumbre que sim, retas paralelas se encontram – no infinito, aliás. Bom, onde é o infinito? [...] Sim, estas retas são concorrentes. [...]"
"Desta forma, podemos dizer que as retas paralelas são, na verdade, retas concorrentes que se cruzam no infinito."




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