Que não sou permanente

Quase morrer não muda nada.
 Aquelas dez paradas cardíacas naqueles dois minutos que nos fazem ir ao céu ou ao inferno (isso depende do indivíduo) não irão alterar eternamente os seus dias. Os traumas que carregamos diariamente nas nossas mochilas uma hora se perdem no caminho ou dentro delas. Quando ficam pela estrada atrás de nós aliviam um bom peso e também a nossa respiração. Quando dentro das mochilas, entretanto, transformam-se em outros acessórios e apaga de nossas memórias o que eles originalmente eram. Viram uma dor de cabeça ou uma bola de chumbo presa em nossas costas. 
Alguma hora acordamos ilesos, tenha o trauma caído por terra ou mudado de semblante. 
Alguma hora acordamos. 
Algumas mudanças são tão sangrentas que parecem nem caber em nossas vidas. Como se fôssemos pequenos demais para abrigar tantas coisas novas, sentamos sem acreditar que todas as novas cores são reais e acabamos por não ver mudança nenhuma nos tons. Quando tudo está diferente, por fim, as frequências são totalmente visíveis. 
Não faço ideia de quantas vezes deixei de ser eu mesma e voltei.
 Não faço ideia de quantas vezes ainda vou bater a porta em minha própria cara. 
Ainda procuro não andar me traindo, embora eu já tenha feito isso mais de uma vez. Engraçado que mesmo que eu sempre prefira a mim mesma, eu sempre opto por não trair uma amizade, um relacionamento ou até um cachorro que passa pela rua e mais engraçado ainda é que eu já quase me acostumei que as pessoas não devem fazer o que eu faço. Nem todo mundo tem caráter de pagar as coisas à vista, então insistem nos juros.
Talvez no fundo eu só queira estar sempre em paz comigo não devendo maldades ou bondades.
 Anular-se, de vez em quando, é algo tão nobre que automaticamente anula tudo que é em vão em seus dias. Por exemplo, alguém falar pelas esquinas que você não tem nada e deseja que ninguém tenha soa tão distanciador que não temos nem o que fazer, a distância simplesmente se instala só.
Ninguém muda sem motivo a não ser que tenha alguma doença mental. 
Não existe a melhor escolha, não existe um limite de perdão, não existe nada daquilo que a gente prega todo o dia, a gente inventa até que existe porque a vida de todo mundo seria um tédio se alguma verdade existisse ou alguma receita do que é certo. 
Descobrir que está morrendo, no entanto, muda tudo.


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