Vigésimo quarto dia

Quando eu me permito ser impulsiva, o dia acaba com minhas mãos cortando esparadrapos (acho que nunca escrevi esta palavra) para fazer curativos em minha alma. Quando me nego, sofro uma crise absurda de abstinência que me mastiga trinta vezes por segundo com dentes metálicos sem piedade, mas o dia acaba bem. No "bem", você vai ter que enxergar outras mil coisas esquisitas porque o dia acaba como aceitação, rendição, comigo sentada falando no escuro que "tudo bem, eu errei de novo, mas isso vai servir para alguma coisa". Que coisa? O que é que serve para alguma coisa? Quem é que não repete as quedas? Quando em qualquer tarde eu encontro, sem querer, meus olhos em alguma superfície espelhada, eu minto, com cada molécula orgânica, que tudo está ficando bem e que o segundo atual é melhor que o anterior. Mas cansa. Agora, por exemplo, eu queria parar de mentir para mim mesma, eu queria parar de tentar cuidar de mim só um pouco porque a parte que cuida também precisa de uma pancada de coisa, mas não tem. Não tem de onde receber. Sei que passei tanto tempo sem sentir tudo isso que escrevi numa pedra que já tinha ficado impossível. Outro erro. E, de repente, deparo-me com uma coleção enorme de erros. Aí chega a voz que diz que eu não errei, que eu não estava fazendo tudo que aconteceu sozinha e que tudo não dependeu apenas de mim. E instalado fica o caos. De um lado, eu sei que tá péssimo e que um segundo é, sim, pior que o outro, que eu não consigo me olhar direito sem tentar me agredir, que eu vacilei, sim, no momento em que me deixei acreditar em qualquer palavra alheia, que isso não tem hora para acabar e que, por mais infantil que soe, isso pode demorar mais tempo do que eu possa aguentar. Do outro lado, eu digo que intensifico, que o problema real nem é isso, que eu tenho que me aproximar do mundo inteiro, que todo mundo passa por essas besteiras, que isso é besteira, que isso é besteira, que isso é besteira, que quanto mais eu engolir giletes, mais eu vou me cortar, que quanto mais eu pensar, mais vai demorar, que quanto mais eu não for meus próprios pais, me proibindo de me jogar no meio dos carros só por esporte, quanto mais eu fingir que sou criança, mais tempo louca eu vou permanecer. E como eu não aguento mais nem um dos lados, hoje eu estou explodindo, mas nem pode ser por muito tempo porque sei que minha cabeça dói a ponto de me derrubar no chão e depois eu tenho que cuidar disso também. O que retorna de novo a ter que me controlar sempre. Ter controle até sobre o meu próprio descontrole. Estou há 24 dias neste ciclone... E algumas espécies vivem bem menos que isso.


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