Mauro



Da esquerda para direita em um movimento contínuo, dois corpos entrelaçados, martirizando-se um ao outro como heróis malditos e condenados (hahaha...). Acordei excessivamente estranho na manhã da sexta-feira, me sentia como um messias tendo sua epifania divina. Havia uma parte de mim desconhecida que crescia e arrebentava meus olhos no espelho como um maremoto aterrorizando nossa submissão a vida da qual somos escravos limitados. Percebi uma formiga caminhando veloz entre as juntas de azulejos no chão do banheiro, notei que talvez fosse o ser mais semelhante a nós “humanos” que compartilhava existência nesse universo. Aquele ser tão minúsculo não sabia quem era nem se quer elaborava questões ou sentidos em sua existência, ele era apenas uma minúscula parte de algo muito maior que jamais alcançaria. Ela se esforçava dramaticamente carregando um pequeno pedaço de barata morta, eu podia ouvir as gargalhadas das paredes enquanto um pingo caia da torneira marcando um tempo três por quatro em adagio, lento e suave, porém melancólico. As gargalhadas tornavam a luta continua daquela formiga, que parecia meiga ao meu primeiro olhar, uma sátira ridícula de algum seriado hollywoodiano de humor negro. Eu mergulhei na indecisão de como eu deveria agir diante daquela alegoria dramática que o universo proporcionou a minha mente (ou quem sabe o contrário). Estava eu entre a vida e a morte, algo tão simples, inútil e pequeno que não demonstrava ameaça alguma para o cosmos, talvez por isso as paredes gargalhassem ainda mais alto. Parei, uma veia minha pulsava e eu ouvi meu coração estralar no meio daquela ressaca confusa, sorri e em menos de um segundo completo para nós humanos, matei a formiga. Antes que seu corpo tocasse o chão as paredes pararam de rir e o silêncio me afogou vivo em todos os gritos que escondi para demonstrar coragem em minha infância. Nós nunca mais saímos daquele banheiro. Alguém me matou enquanto eu carregava minha existência. Eu estava morto, só havia esquecido.


Mauro em Rodrigo Brasil

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