ANÁLISE DO TEXTO “NÁ MÁQUINA” DO LIVRO “DIAS EXEMPLARES” DE MICHAEL CUNNINGHAM A PARTIR DAS CATEGORIAS MARXIANAS

Para Marx, a História é determinada pelas condições materiais de existência, e não por ideias. Para poder existir, o homem precisa trabalhar, e é isso que acontece em Dias Exemplares, obra de Michael Cunningham.
            Após a morte de Simon, Lucas, seu irmão mais novo, assume seu cargo na fábrica em que ele trabalhava como operário de uma máquina - máquina essa que foi a causa da morte. Logo de início vem uma inquietação moral: como, em uma semana, o trabalho de uma pessoa é substituído por um parente tão próximo como um irmão? Seria, no mínimo, menos perturbador se a morte não tivesse se dado naquele próprio local.
            Fica logo visível que as mercadorias têm mais valor que as pessoas, o que é uma das formas de sustentação inadmissíveis do capital. Basta lembrar que Lucas sequer sabia para que servia as chapas que produzia, mas estava lá todos os dias, em repetidos movimentos, apenas para receber seu pagamento para que dessa forma pudesse "viver".
           Como empregar-se em função de algo que não se conhece sua função? Será que ele sabia que a força de trabalho, que no caso também incluía a dele, é claro, é a única mercadoria que produz riqueza? E então pensamos: denominamos nossa própria força de trabalho uma "mercadoria"? Mas não é assim que passamos a rotular a nossa serventia na prática? Sim, é.
            É ela (nossa capacidade de trabalho) que é comprada pelo capitalista, mas ela pode oferecer mais trabalho do que custa e é exatamente essa diferença (entre o quanto uma mão-de-obra pode produzir e o quanto ela vale) que chamamos de mais-valia.
            Porém, o que Lucas poderia fazer? Com os pais incapacitados devido à perda do filho mais velho, o garoto de apenas 12 anos é obrigado, e pode-se dizer que diretamente, a sustentá-los, e mesmo tomando as rédeas dessa responsabilidade, o que ganha na fábrica é pouco demais, quase que insuficiente para comer um pouco, e totalmente fora de orçamento para viver em boas condições humanas.
            O trabalhador é alienado nas relações sociais e a si mesmo, como mostra claramente um trecho do livro:
"Começou a ver que os dias na fábrica eram tão longos, tão inteiramente compostos de um único ato, repetido vezes sem fim, que eles se transformavam num mundo à parte, e que aqueles que viviam naquele mundo, todos os homens da fábrica, viviam basicamente ali e faziam breves visitas ao outro mundo, onde comiam, descansavam e se preparavam para voltar novamente. Os homens da fábrica haviam renunciado a sua cidadania. (...) As vidas que levavam antes eram agora sonhos que eles tinham a cada noite, dos quais acordavam a cada manhã ao chegar à fábrica." Pág. 48
            É possível notar uma grande desumanização, o ser-humano vivendo para se reproduzir materialmente, onde o trabalho, ao invés de servir ao homem, passa a escravizá-lo. Mas é necessário saber que o capitalismo como relação de produção é um trabalho "livre" e não escravo como se dava o modo, por exemplo, na Antiguidade, porém, o que vem a ser esse "livre"? Será que realmente temos a liberdade de escolher trabalhar ou não? Como Lucas sobreviveria com seus pais sem ter que submeter-se àquele trabalho? Será que operários, mesmo os de hoje, questionam sobre isso? Será que viver não pode ser algo mais? O trabalhador na maioria das vezes não se dá conta da exploração a que é submetido.
            Não é tão familiar que as pessoas substituam cada vez mais o "ser" pelo "ter"? Que suas vidas passem cada vez mais a serem medidas pelo que possuem e não pelo que são?
        O sistema de dominação tem como base uma sociedade capitalista construída em cima da divisão de trabalho e acúmulo de capital. Lucas era novo, uma criança ainda, não sabia o que produzia, porém, será que seus "companheiros de trabalho" mais velhos sabiam? Não conheciam, ou no mínimo, não sabiam fazer a total produção, produziam apenas a parte a que lhes eram atribuídas, provocando assim, uma divisão social. E se jamais se preocupassem em saber? Se, algum dia, quisessem fazer outra coisa para sustentar-se na vida, o que fariam? O que saberiam fazer? Passariam o resto de suas vidas (Vidas?) repetindo todos os dias os mesmos movimentos para receberem em troca apenas o suficiente para comer?
         Quanto aos pensamentos de Lucas de que as máquinas possuíam um próprio mundo e que, depois de morrer, Simon passara a viver lá, podemos interpretar não de uma forma tão figurada como a do garoto, mas que, certamente, de alguma forma, elas consomem as vidas de quem as opera. O medo de Lucas de que Simon, através das máquinas, levasse Catherine desse mundo nos parece algo de grande teor imaginativo, mas as máquinas, que nos substituem cada vez mais, que seus tão altos valores são distribuídos de forma divida nos produtos feitos por elas, tais máquinas, para fazer o que fazem, levam sempre um pouco (mas nem tão pouco) de quem as opera, de quem as dá a energia necessária para seu funcionamento.
Como os homens depois de um tempo passam a esquecer do que criaram? Criaram as classes e criaram também o capitalismo, como permitem serem dominados por suas próprias criações? Como passam a se sentir tão incapazes de desfazerem ações feitas por si mesmos?
O trabalho não é o problema, pelo contrário, ele é necessário, pois é o que nos diferencia dos demais animais, o problema são as horas não pagas ao trabalhador pelo trabalho que ele realizou. O problema é a mais-valia, é o que gera o aumento da diferença entre as classes: uns com tanto, outros sem sequer opções.